21 de março de 2011

DES COMPROMETIDA

"Comprometida" é o novo livro de Elizabeth Gilbert, a mesma autora de "Comer, Rezar, Amar". Li no mês passado e estou com algumas reflexões na cabeça. A verdadeira história do casamento não é tão bonita quanto nossa sociedade nos ensina, nem tão sagrada quanto parece. E os finais felizes? Acho que só existem mesmo nas novelas. 
O casamento tem sofrido inúmeras mudanças ao longo do tempo. Com o passar dos séculos, os significados associados à união conjugal passaram por transformações que tornam cada vez mais difícil encontrar para esse relacionamento uma definição simples ou exata.
O conceito mais comum de casamento como “união sagrada entre um homem e uma mulher”, sustentado pelos princípios judaico-cristãos da sociedade ocidental é, atualmente, uma definição redutora que não nos serve mais, porque já convivemos com outras possibilidades, como a união entre dois homens ou entre duas mulheres, e porque a religião não exerce sobre o casamento o mesmo poder que exerceu no passado.  
A história nos aponta que, durante cerca de dez séculos, nem mesmo o cristianismo considerou santificado o matrimônio. Pelo contrário, o casamento era uma questão de interesses, propriedades, heranças e poder econômico. Era uma convenção civil que gerenciava a ordem social no início da história européia. Na Idade Média, era um modo seguro de passar para as gerações seguintes a riqueza acumulada pela família.
Os primeiros padres consideravam o casamento um costume mundano que nada tinha a ver com religião. O apóstolo Paulo, na carta aos Coríntios, escreve que “bom seria que o homem não tocasse em mulher”, instruindo os solteiros a não se casarem e aos viúvos a não se unirem a novas parceiras. “Mas se não puderem se conter, que se casem, pois é melhor casar do que pecar”, dizia ele, referindo-se ao ato sexual somente aceitável dentro da união matrimonial.
Somente no século XIII, a Igreja passou a se envolver no casamento, pois precisava administrar o poder do rei e suas alianças políticas. Os padres passaram a controlar as uniões e proibir os divórcios. As mulheres perdiam a existência civil individual quando se casavam. A união entre brancos e negros era ilegal, assim como não se permitiam uniões entre pessoas de diferentes classes sociais. Percebe-se, portanto, que o casamento foi, por muito tempo, e talvez ainda seja na contemporaneidade, uma forma de se manter a estabilidade social, em conformidade com o patriarcado, o poder das elites e as diferenças de classes.
Os primeiros cristãos europeus se casavam em casa, com roupas comuns em cerimônias que duravam poucos instantes. Os casamentos românticos realizados na igreja, com vestido de noiva branco e flores, que hoje consideramos tradicionais, passaram a acontecer no século XIX, quando a rainha Vitória lançou a moda.
Naquela época, a Revolução Industrial e as democracias liberais na Europa e nas Américas já provocavam mudanças econômicas e sociais que impulsionavam a busca pela liberdade individual e pela privacidade, valor até então desconhecido. Os casamentos por interesse e arranjados passaram a ser substituídos por uniões baseadas em escolhas pessoais e amor, assim como o direito ao divórcio foi sendo gradativamente conquistado.
Com os casamentos realizados por amor, verificou-se um enfraquecimento da instituição quanto a sua durabilidade, pois agora tudo depende das razões do coração e não mais dos acordos baseados nos clãs e patrimônios. A idéia de união sagrada foi perdendo sua força. Não hesitamos mais em pular fora, se o barco estiver afundando. Pensando bem, é justamente nos processos de separação que percebemos que o casamento é muito mais uma questão de lei e não de religião, pois o que se discute, no final, é com quem ficam as propriedades e a guarda dos filhos. Voltar atrás quanto ao juramento feito diante do padre de estarmos juntos “até que a morte nos separe” ou nos mantermos fiéis e cuidadosos “na saúde e na doença” não é necessariamente situação que nos pese na consciência por muito tempo.
Talvez o divórcio seja o preço que, às vezes, pagamos por selarmos o amor com um contrato legal. Se escolhemos parceiros com base no amor, necessariamente assinamos um contrato muito arriscado, pois não se trata de manter interesses econômicos, ou de preservar o patrimônio familiar, ou de manter unida a família em nome de valores sagrados. Trata-se de manter ardente a mesma chama que nos motivou à união, pois acabando o amor acaba o casamento. E isso dependerá do quanto estamos preparados para os desafios impostos pela convivência. O casamento transforma o amor em um jogo. É preciso saber jogar.

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