10 de novembro de 2009

Fragmentos de um discurso amoroso VIII

Acho que agimos certo sem querer                            
Foi só o tempo que errou

25 de outubro de 2009

Sobre morrer


Um amigo se foi.
Desliguei o celular e uma tristeza imensa me fez chorar dentro do carro estacionado na porta do banco.
Notícia mais sem sentido essa!!! Porra, não terminamos aquela conversa, cara! Lembra do encontro no supermercado? Eu te contei que tinha agendado a defesa do mestrado, você disse que tinha marcado a cirurgia, me garantiu que ficaria bem. Nos demos longo abraço.

A vida é um instante, um breve pulsar, o tempo de um beijo.
Somos finitos, mesmo que realizemos muito, mesmo que amemos muito, mesmo que tenhamos projetos e sonhos, mesmo que o fim seja injusto.

Alguns crêem na imortalidade. Ficamos além da morte naquilo que criamos, no trabalho, nos filhos que geramos, nas árvores que plantamos, nas canções, nas palavras, nos livros deixados na estante, na memória. Alguns crêem na eternidade.

Mas o fato é que acabamos. A vida se renova, se transforma, é metamorfose. Mas eu e você acabamos.

22 de setembro de 2009

Saudade


Recado de André no orkut: "Aninha, deu um saudadão tão grande de você agora, cheguei a visitar alguns momentos nossos lá no passado!"
Saudade é melancolia que surge da lembrança. É dor de estar só depois da separação. Quem sofre é quem vai? É quem fica? A palavra vem do latim, "solitas, solitatis", solidão. Parece ter surgido na época dos descobrimentos e expedições marítimas lusitanas, quando os portugueses precisavam expressar o que sentiam longe de suas raizes.
Você se lembra, André, quando eu te disse que nem o mais demorado abraço esgotaria esse vazio que você deixava em mim? Eu sentia saudade de ti até quando estávamos juntos. Quanto mais presente, mais medo de te perder. Quanto mais ausente, mais presente na saudade.

14 de setembro de 2009

Depois do parto, as boas sementes




Rosa Luxemburgo queria produzir filhos e não somente idéias. Não conseguiu. Eu fiz filhos e gosto de gerar idéias. Por isso escrevo. No final, o processo é o mesmo. Sentir crescer em nosso interior, dar forma, alimentar, cuidar... e depois deixar ir.
Parir é aprender sobre partir.
Terminada minha pesquisa, volto pra casa. Mas ao deixar os amigos kaiowá percebo que fiz parte de sua história, como fizeram parte da minha. Construímos juntos, à sombra das mangueiras e ao sabor do terere, uma narrativa sobre suas lembranças e seus anseios.
Ouvi dos antigos como aconteciam os rituais do passado e ouvi dos jovens seus sonhos para o futuro. Compreendi que desejam entender o modo de pensar do não-índio e conquistar seu lugar como cidadãos brasileiros, sendo reconhecidos em sua singularidade étnica.
Ouvi das mulheres como se mantêm guardiãs do saber tradicional de seu povo enquanto os maridos estão fora, trabalhando nas usinas ou fazendas. São elas que rezam, contam os mitos, fazem chover, trazem de volta quem se foi, curam doenças, organizam guaxire, cantam e dançam nas noites de festa e mantêm vivos os fundamentos de sua cultura. Cuidam das roças, saem para vender o excedente, acendem o fogo, alimentam os filhos, trabalham como domésticas nas casas da vila, estudam, tornam-se professoras e agentes de saúde e atuam politicamente pelos direitos de sua comunidade.
Ouvi líderes e rezadores que temem perder, ao longo do caminho, as últimas sementes do conhecimento sagrado deixado pelos antepassados. Acreditam que essas sementes, se caírem sobre terra fértil, poderão germinar, crescer, enraizar e frutificar, sustentando, como grandes árvores, aos jovens de hoje. Se, no entanto, caindo em solo árido, as sementes não vingarem, morre com elas a cultura kaiowá.
Em minha pesquisa, também recebi as “boas sementes”, pois, ao escrever sobre o que vi e ouvi, ao falar sobre identidade e metamorfose, coloquei em jogo minha subjetividade e aprendi sobre minha própria humanidade.

16 de junho de 2009

Fragmentos de um discurso amoroso VII - TE ENGAVETEI


Te engavetei. Do verbo engavetar, meter em gaveta. Na intimidade da palavra: do latim "gabata", tigela, escudela. Em português passou a designar a caixa sem tampa que enfiamos nas mesas. Em sentido metafórico, é um dos sinônimos para prostituta. A frequência com que uma gaveta é aberta e fechada lembraria o ofício da profissional do sexo. Mas nesta gaveta - esta na qual te engavetei, onde te guardo com o passado - não há mais tempo para sexo, para abrir e fechar as pernas, para fechar os olhos e gozar. Esta gaveta eu tranquei. E a chave... joguei fora. Te encerrei no arquivo de ferro, no baú, na geladeira, na mala, no cofre, na mesa do escritório, no guarda-roupa, na caixa-preta. O tempo flui. Não faz sentido investigar os registros do último vôo. Prossigo novamente, nova mente, mãos vazias, sem lágrimas.

15 de junho de 2009

Fragmentos de um discurso amoroso VI - NÃO GOSTO DE SINAL FECHADO


Eu não gosto de sinal fechado. Eu quero chegar antes. Não corro, ando devagar seguindo as pegadas da utopia. Peço licença.
Eu não gosto do teu “senão”, das condições do teu tempo, das tuas previsões.
Eu não gosto dos dias nublados nem das tuas cores. Prefiro as manhãs douradas. Prefiro as noites quentes.
Eu não conheço tua língua, teus planos, tua lógica.
Não trafego no teu curso.
Desprezo tuas mentiras. Brinco com tuas verdades. Não creio nos teus planos.
Não entendo teus sinais, não escuto bem tua voz. O que você disse mesmo? O que?
Ouço ruídos que vêm de dentro.
Ouço aquela música e a minha voz.
Não preciso de lentes de aumento. Meus monstros são grandes. Meus medos me apavoram. Meus fantasmas me assustam no fim do corredor. E por isso não gosto do escuro.
Contemplo meus sonhos à meia luz. Abro as janelas pra lua entrar.
Não tenho nada a esclarecer.
Não vejo tudo de você.
Não sei dos outros.
Pergunto de mim.
Não sei onde é o começo, nunca cheguei ao fim.

Eu não gosto de sinal fechado.

25 de maio de 2009

Algumas pessoas dançam (Para Lara, pelos 20 anos... pelos gestos...pela dança)


Algumas pessoas chegam cedo. Vêm antes para adiantar o encontro.
Chegam antes para iluminar a manhã cinzenta e colorir o dia triste.
Vêm antes, porque não podem gastar à toa a vida que lhes foi dada de presente. Vêm antes que os anjos mudem os planos e desistam de deixá-las partir. Aceitam a vertigem da queda, o medo do novo, os riscos do desejo.
Aceitam as dores do parto. Nascer dói. Parir dói. Partir dói.
Algumas pessoas encarnam os gestos, e por eles são usadas, sem dono e sem pressa. São como folhas levadas pelo vento. Vez em quando caem no seu quintal, ou tocam seu rosto, ou enrolam-se no seu cabelo. Surpreendem, alteram a perspectiva, mudam os planos.
Algumas pessoas dançam. São leves e insustentáveis e por isso dançam. E dançando, imortalizam os gestos. Porque conhecem o segredo: não somos nós que materializamos os gestos. São eles que nos possuem e a tudo fazem renascer em cada novo ato humano. As palavras que já não ouvimos e o cheiro que acaba, a música que cessa e as lembranças que se perdem, tudo... tudo renasce nos gestos.
Algumas pessoas brincam com o tempo. Atravessam os anos. Superam as horas. Transcendem as marcas, as rugas, as paisagens, as bagagens, as passagens, os erros, as mágoas, as lágrimas, os lamentos, as vaidades, os vazios e tudo o mais que será esquecido.
Algumas pessoas são eternas... porque chegam sem avisar, porque insistem em ficar, porque não se contentam em caminhar. Elas dançam.

8 de maio de 2009

Tekoha




29 de abril de 2009

Fragmentos de um discurso amoroso V – seu aniversário


Antes de te encontrar, todos os dias te esperei.
Esperei pelo beijo em frente à estação. Esperei pelo sorriso de menino. Esperei que me perguntasse se havia lugar em meu castelo. Esperei que entrasse, que ficasse. Esperei que me desejasse, porque “de desejo somos” diz Galeano. E que me mostrasse uma perspectiva, uma avenida, uma ave, como no poema de Maiakovski. Esperei pela utopia. E pela ternura, e pela vontade forte de mudar o mundo.
Eu já sabia que juntos ouviríamos o mar, caminharíamos no deserto, abraçaríamos árvores, correríamos em campos de girassóis, contemplaríamos o por do sol, contaríamos estrelas, passearíamos de mãos dadas entre os edifícios das cidades de pedra, amaríamos pessoas, faríamos amor e filhos, plantaríamos flores, colheríamos conchas, riríamos das imperfeições e nos divertiríamos fazendo tudo de novo... mais novo, mais poesia, mais imperfeito, mais longe...
E de olhos fechados o criei em meu mundo. E coloquei nossos retratos na parede. E guardei suas memórias e histórias. E o vi dormindo na rede, como índio, sonhando comigo. E fiz minhas suas palavras, e ouvi o som do sim, música bonita, infinita...
Então hoje, quando acordei, olhei para o relógio e ele parecia se mover ao contrário, trocando de tempo e de idéias, como se me dissesse que o absurdo da existência é chegar ao fim. E que este presente não acaba nunca.

26 de abril de 2009

Chuva



Tarde de sábado, Campo Grande. Fico no carro enquanto meus amigos atravessam a rua pra comprar incenso. É preciso perfumar a casa. Chove muito. Essa água toda caindo do céu, lavando os vidros do carro, um choro da natureza.

É triste. É uma tarde triste. E não ligo que seja triste. Tenho vontade de me molhar, de sair na chuva, parar de me preocupar e aceitar, me entregar no que tiver que ser, sem grandes sofrimentos.
Dá vontade de nem ligar pra imperfeição. De não me preocupar mais com as “lágrimas de diamante”, e deixar o mundo chorar à vontade, e deixar meu coração seguir livre o seu vazio, e me atirar nesse oco pra ver onde vai dar, e fazer isso não por coragem, mas por medo, pra finalmente desmistificar o medo.
Acho que é uma atitude corajosa enfrentar nossos medos de frente, desarmados. Isso eu tenho que fazer agora, não posso adiar, porque se tiver medo de me machucar, se paralisar agora, vou me acostumar ao que não gosto. E isso não é justo, porque a vida é pra ser vivida com gosto, com prazer e desejo de ter ainda mais.

Meus amigos entram no carro, vamos ao supermercado. Enquanto fazemos as compras, penso que ter amigos é uma parte maravilhosa da vida. Que bom saber que no caminho sempre se cruza gente boa. O que seria de mim se não pudesse desfrutar desses simples momentos cotidianos? Ou o que seria se não fizesse reflexões entre as prateleiras de um supermercado?
A vida deve ser assim, uma história bacana. Eu quero escrever uma história bacana. Porque, como me lembra sempre uma grande amiga, “não sou nenhuma vagabunda pra viver de qualquer jeito, viu meu bem!” E, no final da história, quero encontrar a Ana, quero voltar pra casa e deixar a porta aberta pra que ela entre e me conte mais sobre a vida.

31 de março de 2009

Desaniversário


A menina que corria atrás do coelho se cansou. O coelho disparou na frente. Bicho rápido! E ainda carrega esse relógio que não funciona! Aposto que está quebrado há séculos. Estamos na era digital e ele me vem com essa relíquia movida à corda!
É tarde.
Desisto agora porque já não me lembro o que vim procurar. Onde é que eu estava mesmo? Milhares de informações detonando meus neurônios à velocidade da luz... e eu aqui parada... Deve ser porque sou TDA (tradução osniana: “toda amalucada”). Esses tempos modernos voando e eu aqui, distraída, catando os gestos deixados na estrada, recolhendo os sorrisos perdidos, colecionando os cheiros que achei no chão. Quem foi que inventou a objetividade?
Não, não corro mais. E também, a partir de hoje, não procuro mais a saída. Vou me sentar debaixo dessa árvore enorme. Na sombra, vou curtir o paraíso e tomar chá com o chapeleiro maluco pra comemorar meu desaniversário.
Sem pressa! Caminho novo, paisagens diferentes, outras direções, mas a mesma viagem. Tudo novo de novo. Porque o novo, você sabe que é mesmo novo se tem esse gosto estranho, essa incerteza, essa audácia de virar a próxima esquina e não encontrar nada, esse frio na barriga quando a gente saca que está perdido e que está começando a gostar disso.
Já sentiu isso, menino? Esse prazer de correr o risco? Essa coragem de ir em frente e confiar no acaso? Já sentiu a satisfação de não precisar mais contar o tempo, simplesmente porque o tempo é atemporal?
Minha sogra, que me entende porque é uma menina, ligou cedo, adiantando pra hoje os parabéns de amanhã. Uma amiga me deu os pêsames. Disse que a cada ano estamos mais próximos da morte. Inevitável essa passagem. Melhor mesmo festejar antecipado tudo o que for possível, antes que seja tarde, antes do último dia, antes do fim, antes do recomeço. O que virá depois?

26 de março de 2009

Fragmentos de um discurso amoroso IV - Ausência


Todos os dias você partiu.
Pensei que havia me acostumado a essa falta.
Achei que a ausência já não me doía.
Achei que a vida era assim mesmo: esse vazio, essa saudade.
Acostumei-me à despedida,
ao silêncio que restava na sala,
ao escuro que assombrava os corredores,
aos cabides vazios no guarda-roupa,
à louça suja em cima da pia,
à toalha molhada no banheiro,
ao frio rasgado nos cobertores,
e ao teu cheiro no travesseiro
que me atormenta na madrugada.

Por que não levou contigo
este cheiro?
Por que não carregou na mala
meu coração cheio de música?
Por que não levou meus olhos
pra seguirem teus passos e trazerem de volta
teu riso perdido naquela tarde?
Por que não olhou pra trás
quando acenei e congelei meu rosto
no retrovisor da tua história?

20 de março de 2009

Fragmentos de um discurso amoroso III- Todas as linhas


Eu sei, a distância apaga tudo
O cheiro da pele
O gosto do beijo
Cada segundo congelado
E as letras do meu nome
no seu corpo desenhado

Mas é mentira se eu disser
que não te quero, que não te vejo
Nas ruas vazias, casas, muros e
esquinas
Nos versos que eu escrevo
no outro lado das linhas

Escorrem palavras
Que eu pinto com os dedos
Sem rumo, sem tempo, sem chão,
nas horas a mais
Com chuva e saliva,
traço o futuro na palma da sua mão

E guardo o desejo
naquela gaveta
Onde deixo meus olhos
E a vida está pronta
E os nós me embaraçam
E te amo maluca

Te mando sinal, ponho anúncio no jornal,
pra você que me enrola e encanta:
Escreve todas as linhas
e coloca o ponto que não é final

10 de março de 2009

Peixe fora d'água

Andei longe, por aí, porque cansei de dizer. Silêncio é bom. Mas daqui pra frente EU falo de mim no MEU blog e quem não sacou sacasse. Posso? Cansei de gritar pra ninguém. Cansei de me desculpar por não me comportar como disseram que eu devia.
Não gosto de estar aqui (não aqui nesta página, mas aqui neste mundo de destrambelhados), não gosto de ter nascido errada, de ser precipitada, de não saber calar “palavras que não são pra se dizer”, de explodir, de estragar a festa. Detesto ter seguido os caminhos mais longos e ter sempre corrido atrás do coelho no paraíso. Onde está aquele relógio afinal? Quem está marcando o tempo? Quando vou chegar? Como volto pra buscar o que deixei pra trás? O que foi que perdi? Detesto essa falta que não vai se resolver nunca. Meu humor nem sempre é dos melhores e tenho motivos pra isso. E se não aguentam, pouco importa.

Mas gosto das perguntas, mais do que respostas. Gosto do gosto do risco. Gosto da utopia. De abrir a janela e ver o horizonte que não serve pra nada a não ser me fazer correr atrás do inatingível. Amo o desejo, mesmo não saciado. Amo as lembranças do que não viverei mais. Amo o acúmulo dos anos que somados preenchem de sentido essa minha passagem por aqui. Gosto de me olhar bem de perto no espelho, e fechar os olhos e me ver por dentro, e me achar meio anormal. Gosto de levar esse peixe pra passear, fora do aquário, fora d'água, mas ainda sobrevivendo enquanto me olham torto. Gosto e ponto. Não preciso provar mais nada. Dá licença.

Porque escrevo

Por que escrevo? Você me pergunta por que escrevo? Ora, você sabe. É porque as palavras não cabem na minha boca. Ou não cabem na minha cabeça. Ou no coração. Porque se eu calar, fico triste. Se eu calar, você fica triste.
Uma amiga diz que as histórias de amor, quando acabam, viram música, ou livro, ou filme. Eu, como não toco instrumento, como não tenho bela voz e nem talento para a arte cinematográfica, só posso escrever.
Mas deleto muito do que escrevo. Nem tudo se aproveita.
Às vezes me canso de dizer e gostaria de silenciar, deixando  que as palavras se perdessem de mim e me deixassem leve novamente.
Azar o seu, que me lê e se deixa assim iludir. Azar o seu que acredita que, fazendo suas as minhas palavras, estará menos solitário. Engano. Você continua só. Não te dou minha voz, nem o que sinto. Palavra minha não serve pra ninguém.

1 de março de 2009

Meus heróis


O mal do século é a solidão. “Cada um de nós imerso em sua própria arrogância, esperando por um pouco de afeição”, já dizia Renato Russo.
Acho que de solidão ele entendia. Morreu sozinho em seu apartamento, sem despedidas, sem velório, sem enterro. Foi cremado. Não queria uma multidão chorando em cima do caixão. Com ele morreu também a Legião, porque continuar na estrada simplesmente não faria sentido.
Sinto falta da época em que suas canções embalavam meus sonhos. Não só os meus, mas os de toda a geração Coca-Cola de 80. Renato era referência de atitude, porta-voz das nossas angústias, poeta que encontrava as palavras pra dizer por nós, os filhos da revolução, burgueses sem religião. Éramos tão perdidos! Ecoava ainda em nossos ouvidos os ruídos da ditadura, mas não tínhamos aprendido o que fazer com a liberdade. E o futuro parecia tão incerto! Ao som da Legião, fumei o primeiro cigarro, transei a primeira vez, tomei o primeiro porre, curti a primeira ressaca de paixão não correspondida.
Na mesma época amava Cazuza, exageradamente transgressor. Eu morria de inveja porque me faltava coragem pra assumir essa falta de normalidade que hoje eu já não consigo disfarçar.
Ou não. Acho até que sou bem normal. A pessoa mais normal desse planeta. Louco é quem me diz. Louco era Raul, com muito orgulho.
Depois me apaixonei por Cássia. Tive orgasmos múltiplos quando a ouvi pela primeira vez cantando música de Renato Russo. Então a fiz minha musa, a mulher dos meus sonhos. Nos meus 20 anos, o que eu mais queria era ser a Cássia Eller. Ir até o talo. Ver no que vai dar.
É isso, meus heróis morreram de overdose, ou de exageros, ou de solidão.

23 de janeiro de 2009

Sobre alteridade


No ano passado respondi à artigo de um jornal diário, que publicou acusações de um líder religioso aos homossexuais. Dizia ele que a Aids é “castigo divino”,que os gays são responsáveis por tornar nossa “sociedade doente”.
Observei que seu raciocínio baseava-se em uma estratégia finalista de interpretação, buscando confirmações para a sua “verdade” previamente defendida.
Não raramente podemos descobrir o outro em nós mesmos, como uma instância de nossa configuração psíquica. O conceito-chave que permite esta análise é a “projeção” de conteúdos inconscientes, que, segundo a psicologia analítica de Carl Gustav Jung, é um mecanismo intrínseco da psique humana. Tudo o que é inconsciente em nós mesmos podemos projetar de forma defensiva em um objeto externo.
Este fato ocorre de modo involuntário, sem interferências da mente consciente. Assim, um conteúdo inconsciente, geralmente assustador ou obscuro para mim, aparece como se pertencesse ao outro, funcionando como espelho que reflete minha própria natureza psíquica.
A projeção pode interferir na compreensão da realidade e percepção, colocando-nos uma questão ética: quem é o outro? Como posso vê-lo em sua plenitude senão a partir do que sou eu mesmo? Será que só vejo pedaços de mim refletidos em outras pessoas no momento em que acredito estar vendo seus verdadeiros rostos? Se há uma conexão entre quem percebe e aquilo que é percebido, como ter certeza de que se está apto para fazer o julgamento de outros? Ou em que medida a rejeição a outras formas de enxergar o mundo e outros comportamentos não reflete apenas nossa incapacidade de lidar com nossas próprias fraquezas ou, na linguagem religiosa, com nossos próprios “pecados”?
No momento em que tomamos consciência de uma projeção, finda a ilusão e somos obrigados a carregar nas costas tudo o que não suportamos nos outros.
Este reconhecimento e respeito às diferenças possibilita a criação de uma energia social que contribui para a cura de várias “doenças sociais”, inclusive o preconceito.
O remédio para essa enfermidade é a alteridade, que é a capacidade de aceitar e compreender o outro em sua singularidade, ou seja, “amar ao próximo como a si mesmo” como pregou Jesus Cristo.