26 de setembro de 2011

Mumia Abu-Jamal: luta e liberdade

Amigos, leiam a entrevista muuuuito interessante do jornalista afro-americano e ativista do Pantera Negra, Mumia Abu-Jamal, preso político que há 29 anos está no corredor da morte nos EUA. Pensemos sobre luta e liberdade!!!

http://desinformemonos.org/2011/04/%E2%80%9Cprecisamos-de-muita-gente-para-fazer-a-revolucao-e-de-muitos-para-preserva-la%E2%80%9D/

10 de setembro de 2011

11 DE SETEMBRO: O protagonismo americano na tragédia chilena

Em 11 DE SETEMBRO de 1973, os EUA, juntamente com as Forças Armadas do Chile, ajudaram a derrubar o presidente Salvador Allende, em um golpe de Estado que instalou no poder a ditadura de Augusto Pinochet e que, segundo versão oficial,  culminou no suicídio de Allende, no Palácio de La Moneda em Santiago (seria mesmo suicídio?). 
Dias depois, em 23 de setembro, a morte de seu amigo, o poeta Pablo Neruda, na célebre casa de Isla Negra, onde morava nos últimos anos, seguiu-se de comoção mundial. As mortes de Allende e de Neruda fundiam em um só destino a esperança massacrada de um povo.
Hoje, quase 40 anos depois, a Justiça chilena aceitou investigar a morte do poeta, prêmio Nobel de Literatura, acolhendo a acusação feita em junho deste ano pelo PC chileno - partido no qual o poeta militava - após denúncia apresentada por seu ex-motorista, Manuel Araya, para quem Neruda foi assassinado, sendo envenenado no hospital onde estava internado e não tendo morrido devido a complicações do câncer de próstata, como diz a versão oficial.
Segundo o relato do motorista, Pinochet mandou matar Neruda para evitar que se exilasse no México, para onde viajaria nas próximas horas, país de onde poderia se tornar um opositor ao regime.
A investigação está a cargo do juiz Mario Carroza, o mesmo que conduz o inquérito sobre a morte de Allende, cujos restos mortais foram exumados do Cemitério Geral de Santiago para serem submetidos a perícias, pois suspeita-se também de seu assassinato durante o golpe.
Então, lanço aqui a pergunta que não quero calar: Por que, nas recordações do atentado terrorista às Torres Gêmeas em 11 de setembro de 2001, que envolve extrema vitimização do povo americano, a mídia não relembra também  o papel dos EUA nesta tragédia chilena, ocorrida na mesma data, anos antes? 


Veja: http://www.tal.tv/pt/webtv/vid
eo.asp?house=P004349&video=ALLENDE-EL-SUENO

1 de setembro de 2011

Para viver TODO AMOR...

Viver TODO AMOR QUE HÁ NESSA VIDA não é para qualquer um, é para quem banca esse amor. Eu banco?
É para quem sabe que sair da ilusão, deixando palco e máscaras, pode ser bem doloroso e ainda assim resolve encarar. É para quem sabe que a vida real pode ser frustrante, mas não faz drama, porque afinal amanhã de manhã “a vida segue”, nos chama, e é preciso estar inteiro para a batalha. É para quem se joga sem medo, se atira ao desconhecido, mesmo sabendo que os riscos e possibilidades de arrependimento são muitos. É para quem não faz questão de estar certo e aposta no duvidoso, porque a vida é feita de incertezas e verdades temporárias. É para quem não se acomoda no sofá, esperando uma intervenção divina ou um colo de mãe. É para quem diz o que tem que ser dito, mas sabe silenciar quando as falas se tornam meras repetições. É para quem reconhece a hora de ir embora, quando já não é possível colar o que se quebrou. Mas é também para quem tem a ousadia de ficar e tentar consertar o que ainda tem conserto. É para quem sabe se despedir, sem levar mágoas e sem espernear. É para quem tem dentro de si a insanidade no bom sentido do termo: o lúdico e a loucura que nos faz leves para viver melhor a vida.

31 de agosto de 2011

O NÃO-SABER

Nas últimas semanas me tornei ninguém, ser decomposto, dividido e despedaçado. Reconheço uma parte de mim. Mas o fato é que sempre há (e essa é a maior parte do iceberg) o não-inscrito, o impossível de ser simbolizado porque não dispõe de significantes, o não-saber, o que não é, o que não tem sentido, o que falta, o que não serve, não tem graça e não tem nome. Essas são as rachaduras, as falhas, os pontos que me capturam e me paralisam, porque desconheço suas significações. É preciso lidar comigo. Tarde demais? Felizmente ser sujeito se dá em um processo de constante vir-a-ser, uma metamorfose, ou como pensa Lacan: o sujeito nunca é, está sempre sendo, se transformando. Pergunto sabendo que não há respostas... como Clarice Lispector que diz “Quantas vezes tenho vontade de encontrar não sei o que... não sei onde... para resgatar alguma coisa que nem sei o que é e nem onde perdi...”

11 de junho de 2011

Documentários debatem luta dos Guarani Kaiowá

Lançamento de documentários e debate com os realizadores.  À Sombra de um Delírio Verde e Mbaraká – A Palavra que Age. Dias 14 de junho, na FFLCH-USP (18h – sala 8) e 15 de junho, na FD-USP (19h – sala dos estudantes.
Sinopses:
À Sombra de um Delírio Verde (29′ – 2011) 
De Cristiano Navarro, An Baccaert e Nicolas Muñoz
Na região sul do Mato Grosso do Sul, fronteira com Paraguai, a etnia indígena com a maior população no Brasil luta silenciosamente por seu território para tentar conter o avanço de poderosos inimigos. Expulsos pelo contínuo processo de colonização, mais de 40 mil Guarani Kaiowá vivem hoje em menos de 1% de seu território original. Sobre suas terras encontram-se milhares de hectares de cana-de-açúcar plantados por multinacionais que, em acordo com governantes, apresentam o etanol para o mundo como o combustível limpo e ecologicamente correto. Sem terra e sem floresta, os Guarani Kaiowá convivem há anos com uma epidemia de desnutrição que atinge suas crianças. Sem alternativas de subsistência, adultos e adolescentes são explorados nos canaviais em exaustivas jornadas de trabalho. Na linha de produção do combustível limpo são constantes as autuações feitas pelo Ministério Público do Trabalho que encontram nas usinas trabalho infantil e escravo. Em meio ao delírio da febre do ouro verde (como é chamada a cana-de-açúcar), as lideranças indígenas que enfrentam o poder que se impõe muitas vezes encontram como destino a morte encomendada por fazendeiros.
Mbaraka, A Palavra que Age (26′ – 2011) 
De Spensy Pimentel, Edgar Cunha e Gianni Puzzo 
Os cantos dos xamãs Guarani Kaiowá são fórmulas verbais que têm uma ação sobre o mundo. Tradicionalmente, eles curam doenças, afastam pragas da lavoura e bichos peçonhentos, anunciam a chegada dos deuses. Eles não só preveem o futuro, mas o conformam. Hoje, esses indígenas vivem em seu mundo uma crise sem precedentes. Confinados em pequenas porções de terra e com os recursos naturais da região onde residem totalmente degradados, eles se veem diante de um impasse: será que suas palavras conseguirão conformar um mundo novo que reverta a crise cosmoecológica por que passam atualmente? Se a palavra pode ser história, mito e narrativa, entre os Guarani-Kaiowá, ela também é poesia e profecia: um canto de esperança em um futuro melhor. 

2 de maio de 2011

SAINDO DA LINHA

Hoje faz tanto sentido voltar a esses rabiscos de 2009... De repente me desalinho e, entre pontos e silêncios, me perco nas reticências. O movimento do ponto origina a linha. Do latim, linea: fio, corda, limite. Linhas conduzem a uma direção, nem sempre numa reta. Às vezes são as curvas que têm mais sentidos. Abrem possibilidades, dão linha, dão corda, estimulam as palavras, as caminhadas e as perguntas. Envolvem relações, alguns embaraços, amarras e muitos nós. Mas sair da linha, contrariando as normas ou as expectativas, transgredir os limites, isto sim é uma experiência pra lá de excitante.

TODAS AS LINHAS (20/03/2009)

Eu sei, a distância apaga tudo
O cheiro da pele
O gosto do beijo
Cada segundo congelado
E as letras do meu nome
no seu corpo desenhado

Mas é mentira se eu disser
que não te quero, que não te vejo
Nas ruas vazias, casas, muros e
esquinas
Nos versos que eu escrevo
no outro lado das linhas

Escorrem palavras
Que eu pinto com os dedos
Sem rumo, sem tempo, sem chão,
nas horas a mais
Com chuva e saliva,
traço o futuro na palma da sua mão

E guardo o desejo
naquela gaveta
Onde deixo meus olhos
E a vida está pronta
E os nós me embaraçam
E te amo maluca

Te mando sinal, ponho anúncio no jornal,
pra você que me enrola e encanta:
Escreve todas as linhas
e coloca o ponto que não é final

27 de abril de 2011

Era


Ouço canção de Ana Carolina, uma porrada pra me fazer pensar, neste dia sem sol, dia cinza. E tudo o mais igualmente cinza dentro de mim...

O destino me pregando uma outra peça eu não
queria

Me cercava toda noite com sua flecha e sua guia

Era o tempo me encostando sua pele traiçoeira

Eram noites tão pesadas com nuvens sorrateiras

Era a vida me cortando a carne com seu guiso

Ecoando pelos séculos os sons de alguns gemidos

Eram o meus antepassados dentro dos bacanais

Era o tempo me emprestando aquilo que eu não

devolveria mais

Era um homem nos meus sonhos me currando sem perdão

Eram duas velhas mortas se arrastando pelo chão

Eu soltava os meus cães e o meu peito a soluçar

Abafava os meus gritos, pois não sabia ladrar

Achei que não era eu que fazia a minha história andar

Punha a culpa no destino e quem estivesse a mão para

culpar

E era assim


Hoje em dia não me importo com o que fiz do meu

passado

Quero amigo, sorte, muita gente boa do meu lado

E não rebato se disserem por aí que eu tô

errado

Porque quem se debate está sozinho ou afogado

Eu que não fico no meio, não começo e nem acabo

Eu sou filho do amor, não de Deus nem do diabo

Na ciranda das canções eu me ponho a revesar

Rodando entre as ondas que me puxam em alto

mar

Hoje sei bem quem sou eu que giro a minha vida

circular

Essa roda eu que invento e faço tudo nela se encaixar

É eu sou assim

25 de abril de 2011

TRAVESSIAS

Nos dias em que se comemora a Páscoa, contemplo o devir de novas possibilidades. Recebo a visita de meu pai e reflito sobre os exemplos que dele recebi sobre a persistência e a auto-confiança. Homem forte e corajoso, é capaz de se levantar após uma queda e recomeçar em situações em que outras pessoas desistiriam, pois costuma ver através dos obstáculos suas oportunidades de superação. Com ele aprendi sobre as utopias e seus significados. Entendi o que queria dizer Eduardo Galeano, poeta maravilhoso, quando define que a utopia serve para nos fazer seguir em frente, sobretudo quando ela nos parece cada vez mais distante. Quanto mais caminhamos, mais a utopia se afasta, fugindo de nosso alcance, então mais ainda a desejamos e a perseguimos.

Creio que o sentido mais genuíno da Páscoa é o de libertação. É a travessia entre aquilo que deixamos para trás e o que buscamos conquistar adiante. Como rito de passagem, celebra para os judeus a travessia do Mar Vermelho, mudando um estado de escravidão para a liberdade e o encontro da terra prometida. Para os cristãos, celebra a passagem da morte para a vida, representada na ressurreição de Cristo. Assim também nos traz o sentido de que podemos renascer continuamente, abandonando o que já não nos serve – antigos hábitos, comportamentos, mágoas e outros sentimentos – e fazendo-nos novos. Pois vida é metamorfose, dinâmica de transformações e amadurecimento.
A vida é feita de passagens, de renúncias e perdas que constituem em si mesmas novas possibilidades. Perdemos para ganhar. Do ventre materno ao nascimento, da infância à juventude, da juventude à vida adulta, da vida adulta à terceira idade e desta à morte que, segundo várias crenças, não é o fim, mas o começo de outro sentido de existência. Mudamos continuamente. Nos casamos, tornamo-nos mães e pais, tornamo-nos avós, nos formamos profissionalmente, nos divorciamos, enviuvamos, mudamos para outra cidade, retornamos, enfim as mudanças são parte estrutural da vida humana, atribuindo à sua dinâmica os riscos e recompensas, dores e alegrias, perdas e ganhos da história de cada um.
Pai, o sentido da Páscoa se realiza em nosso encontro, ainda que você não acredite em preceitos religiosos, que seja um cético. O fato é que você sempre acreditou na vida e na capacidade humana de criar. 
Ouvimos boa música, conversamos, como antigamente...
Com você eu sinto o céu aberto. Minhas forças se renovam e sinto passar aquela sensação de abandono que trago no peito. De repente, a vida me chama de novo.

18 de abril de 2011

OS "LOUCOS" QUE PRODUZIMOS

Começo citando Leonardo Boff, em texto postado em seu blog, sobre o massacre na escola de Realengo (RJ). Diz ele: “A vida cura a vida e o amor supera em nós o ódio que mata”.
Já nos acostumamos com o fato de que a vida urbana tem dessas coisas: violência, intolerância, gente enlouquecida, gente com medo, gente que mata. Diante dessa realidade, nosso teólogo mais sábio e querido nos abençoa com essas palavras... a vida cura a vida... Então a vida está enferma? Carece de cura? Interessante pensar que o remédio para nossos males está na mesma substância que os produziu. Como picada de cobra, que só pode ser tratada com soro feito a partir de seu próprio veneno. Se nossa sociedade adoeceu, é exatamente em seu interior – nas relações humanas que ela produz – que podemos encontrar as respostas e soluções para o cotidiano caótico que nos habituamos a viver.
A questão colocada por Boff é a seguinte: somos nós, sociedade bárbara e desequilibrada, quem produz os “loucos” que nos atormentam. Um rapaz que, aos vinte e poucos anos, resolve vingar as agressões que sofreu quando criança no ambiente escolar, matando alunos da mesma escola em que estudava, e depois dá um tiro na própria cabeça só podia estar “louco” – é o que todos nós concluímos. E nos perguntamos: como se produz esse tipo de loucura? Como evitar que pessoas inocentes paguem por isso? De quem é a responsabilidade de deter os comportamentos destrutivos de indivíduos psicologicamente perturbados?
Patologias que podem levar a tragédias como essa, embora tenham origem em fatores relacionados à história pessoal do indivíduo e nas relações familiares, não podem ser analisadas separadamente do contexto social, até mesmo porque atualmente a sociedade globalizada, os meios de comunicação de massa, as redes virtuais e, sobretudo, a escola passaram a exercer o papel de educadores que antes era restrito aos pais. O psiquismo humano é resultado da interação de vários fatores, entre eles os valores apregoados e difundidos no interior da sociedade em que vivemos – em sua cultura, em suas relações sociais, em seus meios de produção, nas suas produções intelectuais, nos seus jogos políticos e nas mensagens veiculadas por seus meios de comunicação de massa. Ou seja, o sistema político-social e econômico como um todo pode produzir pessoas mentalmente sadias, ou pode ser uma máquina de fazer neuroses e psicopatologias. Além disso, pode ainda tratar como normalidade o que comumente seria tratado como patologia na clínica psiquiátrica. Assim, vários comportamentos que podem ser considerados doentios tornaram-se genéricos ou “normais” nas sociedades contemporâneas, como o isolamento, a frieza, a incapacidade de viver relações afetivas, o medo, a desconfiança permanente, a ansiedade, a depressão, a atitude de “descartabilidade” nas relações humanas (no mundo dominado pelo consumo, troca-se de pessoas, como se trocam de objetos, roupas, etc). Nesse contexto, a sensação de opressão é marcante. É também presente a dor da injustiça e das desigualdades. Estigmas, preconceitos e o desrespeito às individualidades, somados à desagregação dos valores familiares, contribuem para o aumento de comportamentos intolerantes e vários tipos de violência, inclusive nas escolas, como o bullying.
Em meio a tudo isso, nem todos conseguem manter a sanidade mental e emocional. Basta voltar aos estudos de Freud e de outros psicanalistas para compreender que os instintos de morte e agressão fazem parte de nossa constituição psíquica. Temos todos dentro de nós o impulso para a vida e, simultaneamente, tendências agressivas e auto-destrutivas.
Porém, é Freud quem também indica que a civilidade, a educação, a arte, as relações afetivas, a ciência e toda forma de criação e produção humanas nos ajudam a controlar tais instintos e aflorar o princípio de vida: o que há de melhor e mais construtivo em cada um de nós. Felizmente, muitos de nós aprendemos, ao longo da formação de nossa consciência e personalidade, a frear nossas tendências destrutivas e a gerar vida.
Por isso, no momento em que reacendem discussões sobre o combate ao tipo de violência que ocorreu no Rio de Janeiro, somos obrigados a admitir que a questão é bem mais complexa. Restrição à venda de armas, mais segurança policial nas escolas, criação de esquemas de atendimento em saúde mental, treinamento de professores para lidarem com a agressividade em sala de aula, enfim, tudo isso não basta. É preciso reconhecer que ajudamos a inventar esse sistema que nos aprisiona e que somente mudanças em suas bases estruturais e nos modos como se dão suas relações humanas poderão nos indicar os caminhos para a paz.

30 de março de 2011

DEPOIS DO TSUNAMI...


Quem de nós já não sofreu as conseqüências deixadas por uma catástrofe? A dor de uma separação, o enfrentamento de uma grave enfermidade, a morte de um ente querido, a partida de um filho, a perda de um emprego ou de um grande amor. Ou ainda pessoas que nos decepcionam e sonhos que não realizamos. De repente, as coisas já não são as mesmas, sentimo-nos perdidos, confusos e desamparados.
Quem já não teve que juntar os cacos, recolher o que sobrou entre os escombros, ou revisitar lugares antes familiares e agora devastados?

E depois, passado o susto, sabemos que precisamos levantar, reunir forças e continuar. A sensação é de impotência. Parece que não conseguiremos seguir em frente. O vazio e a solidão podem ser assustadores. Nos faltam o chão, as referências, a direção e o ânimo para prosseguir.

Um amigo me disse que enfrenta, no momento, a passagem de um tsunami. No seu caso, não houve de fato um terremoto nem ondas gigantescas arrasando o lugar onde vive, mas mudanças significativas em sua vida que o levaram a ter que recomeçar. Sua dor é emocional. Ele sabe que precisará seguir adiante e isso implicará em perdas e renúncias.

Desde o início é assim. O nascimento é a primeira perda de todo ser humano. Nascer é deixar o abrigo do útero materno para, nos primeiros anos de existência, gradativamente, constituir-se a si mesmo como um “eu”, um indivíduo autônomo. Parir também é perder, a mãe deve saber separar-se, "deixar ir". E assim, por toda a vida, passamos por mudanças inevitáveis e perdas necessárias ao crescimento e à evolução humana. Somente assim podemos realizar grandes conquistas, aprender com as próprias experiências e nos tornarmos plenos e livres.

Apesar dos medos e dúvidas e das tantas sensações de abandono que nos acompanham nos momentos de catástrofes emocionais, o que nos conforta é saber que tudo isso vai passar, que o sol voltará a brilhar, que há mãos amigas estendidas ao longo do caminho e que, após os tsunamis, podemos sim recomeçar.

21 de março de 2011

DES COMPROMETIDA

"Comprometida" é o novo livro de Elizabeth Gilbert, a mesma autora de "Comer, Rezar, Amar". Li no mês passado e estou com algumas reflexões na cabeça. A verdadeira história do casamento não é tão bonita quanto nossa sociedade nos ensina, nem tão sagrada quanto parece. E os finais felizes? Acho que só existem mesmo nas novelas. 
O casamento tem sofrido inúmeras mudanças ao longo do tempo. Com o passar dos séculos, os significados associados à união conjugal passaram por transformações que tornam cada vez mais difícil encontrar para esse relacionamento uma definição simples ou exata.
O conceito mais comum de casamento como “união sagrada entre um homem e uma mulher”, sustentado pelos princípios judaico-cristãos da sociedade ocidental é, atualmente, uma definição redutora que não nos serve mais, porque já convivemos com outras possibilidades, como a união entre dois homens ou entre duas mulheres, e porque a religião não exerce sobre o casamento o mesmo poder que exerceu no passado.  
A história nos aponta que, durante cerca de dez séculos, nem mesmo o cristianismo considerou santificado o matrimônio. Pelo contrário, o casamento era uma questão de interesses, propriedades, heranças e poder econômico. Era uma convenção civil que gerenciava a ordem social no início da história européia. Na Idade Média, era um modo seguro de passar para as gerações seguintes a riqueza acumulada pela família.
Os primeiros padres consideravam o casamento um costume mundano que nada tinha a ver com religião. O apóstolo Paulo, na carta aos Coríntios, escreve que “bom seria que o homem não tocasse em mulher”, instruindo os solteiros a não se casarem e aos viúvos a não se unirem a novas parceiras. “Mas se não puderem se conter, que se casem, pois é melhor casar do que pecar”, dizia ele, referindo-se ao ato sexual somente aceitável dentro da união matrimonial.
Somente no século XIII, a Igreja passou a se envolver no casamento, pois precisava administrar o poder do rei e suas alianças políticas. Os padres passaram a controlar as uniões e proibir os divórcios. As mulheres perdiam a existência civil individual quando se casavam. A união entre brancos e negros era ilegal, assim como não se permitiam uniões entre pessoas de diferentes classes sociais. Percebe-se, portanto, que o casamento foi, por muito tempo, e talvez ainda seja na contemporaneidade, uma forma de se manter a estabilidade social, em conformidade com o patriarcado, o poder das elites e as diferenças de classes.
Os primeiros cristãos europeus se casavam em casa, com roupas comuns em cerimônias que duravam poucos instantes. Os casamentos românticos realizados na igreja, com vestido de noiva branco e flores, que hoje consideramos tradicionais, passaram a acontecer no século XIX, quando a rainha Vitória lançou a moda.
Naquela época, a Revolução Industrial e as democracias liberais na Europa e nas Américas já provocavam mudanças econômicas e sociais que impulsionavam a busca pela liberdade individual e pela privacidade, valor até então desconhecido. Os casamentos por interesse e arranjados passaram a ser substituídos por uniões baseadas em escolhas pessoais e amor, assim como o direito ao divórcio foi sendo gradativamente conquistado.
Com os casamentos realizados por amor, verificou-se um enfraquecimento da instituição quanto a sua durabilidade, pois agora tudo depende das razões do coração e não mais dos acordos baseados nos clãs e patrimônios. A idéia de união sagrada foi perdendo sua força. Não hesitamos mais em pular fora, se o barco estiver afundando. Pensando bem, é justamente nos processos de separação que percebemos que o casamento é muito mais uma questão de lei e não de religião, pois o que se discute, no final, é com quem ficam as propriedades e a guarda dos filhos. Voltar atrás quanto ao juramento feito diante do padre de estarmos juntos “até que a morte nos separe” ou nos mantermos fiéis e cuidadosos “na saúde e na doença” não é necessariamente situação que nos pese na consciência por muito tempo.
Talvez o divórcio seja o preço que, às vezes, pagamos por selarmos o amor com um contrato legal. Se escolhemos parceiros com base no amor, necessariamente assinamos um contrato muito arriscado, pois não se trata de manter interesses econômicos, ou de preservar o patrimônio familiar, ou de manter unida a família em nome de valores sagrados. Trata-se de manter ardente a mesma chama que nos motivou à união, pois acabando o amor acaba o casamento. E isso dependerá do quanto estamos preparados para os desafios impostos pela convivência. O casamento transforma o amor em um jogo. É preciso saber jogar.

17 de março de 2011

Criminalização das Lideranças Guarani Kaiowá no MS

Este texto foi publicado por Israel Sassa, em http://uniaocampocidadeefloresta.wordpress.com, sobre encontro de indígenas no MS, que ocorreu entre os dias 11 e 13 de março, no qual discutiram a situação de grupos que estão acampados à beira da estrada, por não terem demarcadas suas terras, e de líderes que estão presos por terem lutado por seus direitos. Ou seja: os criminosos são eles, os índios? Enquanto isso, assistimos a impunidade de assassinos de lideranças indígenas, como ocorreu no caso Marcos Veron.

“Quando nós indígenas nos organizamos e retomamos nossas terras, eles [o Estado] nos chamam de formadores de quadrilhas, ladrões, invasores, bandos e processam a gente e nos prendem, nos torturam, nos massacram e nos matam”, palavras de Liderança Guarani Kaiowá durante encontro Aty Guassu, realizado no último fim de semana, dias 11 a 13 de março de 2011, na aldeia Takuara, em Juti, MS.


As lideranças reunidas na celebração do Aty Guassu manifestaram preocupação com o processo de criminalização que vêm sofrendo desde as primeiras retomadas.


No Mato Grosso do Sul, indígenas acampam nas margens das estradas e rodovias à espera de que o governo demarque e homologue suas terras.


Um desses grupos, a comunidade Laranjeira Nhanderu, acampado há quase dois anos na BR 163, município de Rio Brilhante, foi despejado do local a pedido da DNT (consórcio rodoviário). Antes de acamparem na margem da rodovia, foram despejados pela justiça federal de seu Tekoha. “Para onde eles vão, aquelas famílias, que já foram despejadas e encontraram na margem da rodovia uma opção para se organizarem e morarem?”, indaga uma das lideranças.


Quando os pistoleiros não dão conta de calar e conter as lideranças indígenas é aí que o Estado brasileiro entra na questão, não para defender e proteger os interesses dos povos indígenas como consta na Constituição Federal, mas para criminalizá-los, acusando-os de formação de quadrilha, invasão de propriedades, e logo vem as prisões. No Estado do Mato Grosso do Sul, hoje estão presos 148 lideranças indígenas.


Não existe nenhum conflito causado pelos indígenas, a situação de guerra que se estabelece por todo o país é ocasionada pela não demarcação de suas terras, ou seja, quem provoca a situação de conflito é o Estado brasileiro que, além de não cumprir com o estabelecido nas leis nacionais e internacionais, ainda se omite na hora de penalizar os invasores e assassinos de índios, fazendo da impunidade mais uma arma contra os povos indígenas.

14 de março de 2011

AMOR MAIOR

Ah me lembrei que assisti ao show do Jota Quest, na MTV, no último sábado. A canção diz que "é preciso amar direito", desejar e fazer tudo para acontecer um "amor maior". Talvez essa seja uma resposta para a impotência que sentimos diante das dores do mundo. 

Fernanda Montenegro, em uma entrevista, quando questionada se é uma mulher feliz, respondeu que acredita ser impossível ser feliz no Brasil, onde há tantas infelicidades. Sinto-me assim, às vezes, não somente pela realidade social de meu país, mas pela decadência moral que parece ter contaminado a toda humanidade. 

Talvez o amor maior possa dar conta disso. Talvez os encontros entre pessoas que se amam, a sinceridade de um beijo, o calor de um abraço, o aconchego de palavras solidárias, a esperança transmitida pela mão amiga, enfim, talvez essas sejam as únicas possibilidades de não sermos consumidos pela sensação de impotência e pela passividade diante dos sofrimentos alheios. Também é o que pode nos salvar quando somos nós que sofremos.

DIANTE DA DOR DOS OUTROS, A IMPOTÊNCIA


Que fazer com as informações que nos chegam pela TV sobre o terremoto e o tsunami no Japão na última semana? Que fazer diante das imagens de um sofrimento distante?

Muitas vezes temos dificuldades de lidar com os sofrimentos de pessoas que nos são próximas. E isso é frustrante. Mas quando aqueles que sofrem estão do outro lado do mundo, o sentimento de impotência pode ser ainda maior.
Por mais que essas situações possam despertar sentimentos de identificação e solidariedade, não é tão fácil pensar sobre suas provações, entender como se sentem.

Penso nas palavras de Susan Sontag no livro Diante da dor dos outros (2003), que reflete sobre as atrocidades das guerras e sobre como as imagens transmitidas pela mídia podem, por um lado, nos sensibilizar e, por outro, nos anestesiar, como se fossemos levados a um estágio de torpor, a um embotamento de sentimentos frente às dores do mundo, que se tornaram tão corriqueiras e banalizadas que mais parecem um espetáculo e não realidade de fato. “É como se ela (a realidade) de fato não existisse, como se o sofrimento estivesse sendo exagerado. Consumidores de notícias podem se tornar insensíveis ao sofrimento alheio”, escreve Susan.

Algumas pessoas farão qualquer coisa a fim de não se comover frente às imagens e sons que invadem sua sala de estar. Podem até mesmo mudar de canal. Ou podem sentir que, afinal, “não há nada que se possa fazer” e que “a vida continua”. Mas nem sempre essa posição se deve à falta de solidariedade ou ao individualismo que se tornaram comuns nas sociedades modernas. O fato é que somos mesmo impotentes e admitir isso também nos faz sofrer. Susan aponta que até mesmo o sentimento de compaixão que é despertado nessas ocasiões é uma emoção instável. Quando não é traduzida em ações, pode levar a uma apatia e uma anestesia moral ou emocional.

Imagens de sofrimentos podem nos enrijecer, nos tornar mais insensíveis, pois já nos acostumamos a contemplar as dores alheias como fatos corriqueiros. A violência, os crimes passionais, os assaltos, a fome, a pobreza, as guerras, a agressividade extrema e o estresse das grandes cidades fazem parte da vida que levamos. Assim como as ameaças ao planeta conseqüentes de um desenvolvimento não sustentável ao qual chamamos progresso. Aprendemos a nos tornar passivos diante de tudo isso.

O que fazer então, quando se trata de uma catástrofe que não depende da ação humana? O Japão, com toda a tecnologia e conhecimento desenvolvidos, não pôde prever uma catástrofe como esta simplesmente porque era imprevisível. A humanidade, por mais avanços científicos que tenha conquistado, nada pode fazer para evitar certos fenômenos naturais. Nesses momentos, mais do que nunca, nos damos conta de nossa fraqueza. Reconhecemos a existência do inevitável e do incorrigível. Admitimos que não controlamos tudo. E, neste caso, seria até melhor não estarmos comovidos.

8 de março de 2011

POR QUE O DIA 8 DE MARÇO?

Vale a pena lembrar, como registrou hoje a psicóloga Kátia Horpaczky em seu blog Roda da Vida, que o dia 8 de março não foi escolhido aleatoriamente para comemorar o dia da mulher. Neste dia, do ano de 1857, as operárias têxteis de uma fábrica de Nova Iorque entraram em greve ocupando a fábrica para reivindicarem a redução de um horário de mais de 16 horas por dia para 10 horas. Estas operárias que, nas suas 16 horas, recebiam menos de um terço do salário dos homens, foram fechadas na fábrica onde, entretanto, foi declarado um incêndio e cerca de 130 mulheres morreram queimadas. Em 1910, numa conferência internacional de mulheres realizada na Dinamarca, foi decidido que, em homenagem àquelas mulheres, o dia 8 de Março seria lembrado como o "Dia Internacional da Mulher".

Casamento entre gays: pensando em possibilidades

Converso com meus amigos gays e fico indignada com o fato de que, pelo ato do casamento, os heterossexuais têm acesso a benefícios e privilégios sociais básicos que um grande número de casais homossexuais, embora também contribuintes, não têm.
Por que? O que me dá direitos, como esposa, de ter acesso, por exemplo, ao plano de saúde de meu marido? A resposta é simples: meu direito está garantido pelo fato de ter assinado com ele um contrato que oficializa nossa relação. E por que aos gays não é permitida a legalização do casamento para que possam também usufruir deste e de outros benefícios?
Esta é uma questão religiosa? Creio que não, pois a cerimônia na igreja não é exigida para o casamento ser considerado legal. É a cerimônia civil que o torna oficial. Assim, são os tribunais e não as igrejas que devem decidir sobre a legalização do casamento entre gays.
Conservadores argumentam que essa união é incorreta porque o propósito do matrimônio é ter filhos. O próprio nome já diz: “matrimônio” está relacionado à maternidade. Implica em que uma das partes dessa união seja uma mulher, que ela procrie e que cuide dos filhos.
No século XII, na Idade Média, quando a igreja ainda não intervinha no casamento, sendo este um contrato entre senhores feudais como forma de enriquecimento e anexação de terras, a procriação já era considerada muitíssimo importante para selar tal união e garantir a defesa do patrimônio (vejam bem: a palavra é “patrimônio”, o que me faz pensar em poder do pai, sendo os filhos gerados pela mulher para empoderar o homem). Caso a mulher não procriasse, era devolvida à família ou ia para um convento.
Mais tarde, quando a igreja se envolveu na questão, também passou a defender a procriação como expressão máxima do casamento, pois somente com esta finalidade aceitava a prática sexual.
Ou seja, casamento envolve procriação e, portanto, só pode ocorrer entre homem e mulher.
Mas, seguindo este raciocínio, a união entre um homem e uma mulher em que um dos dois ou ambos sejam estéreis, não poderia ser aceita. O casamento entre pessoas em idade pós-menopausa também não teria sentido. Outro fato é que, atualmente, inúmeras mulheres escolhem não ter filhos e casais heterossexuais entram em acordo sobre isso, o que não impede que desfrutem de outros aspectos proporcionados pela união conjugal, como o companheirismo, a cumplicidade e a realização de sonhos em comum.
Esta polêmica envolve ainda o direito de casais homossexuais à adoção de filhos.
Centenas de entidades científicas e sociais endossam o casamento gay e a adoção gay.
Sobre isto, estudos desenvolvidos em Psicologia e áreas afins comprovam que o fato de uma criança ser educada por pessoas homossexuais não interfere de forma negativa na formação de seu caráter ou em sua sexualidade. O acolhimento do lar, os valores morais, a disciplina e os cuidados que toda criança deve receber para que seja pleno seu desenvolvimento físico, mental e psíquico podem ser oferecidos por pais e mães homossexuais, tanto quanto por heteros.
Por fim, religiosos afirmam que o casamento entre duas mulheres ou entre dois homens, pela impossibilidade da procriação e pela expressão diferenciada de sexualidade, não seria uma união “natural”. Mas qual seria o conceito de “natural”?
O ser humano não é natural, se entendemos por natureza uma essência original que nos faria a todos iguais e programados para certos comportamentos. Não temos natureza, temos história! Somos o resultado de uma época, classe social, etnia, religiosidade, relações sociais, emoções, que interagem de forma permanentemente dinâmica, resultando na individualidade e especificidades de cada um de nós.
O desejo sexual não é natural, pois não se constitui apenas de instinto, mas de preferências e identificações. Animais não desejam, apenas estão programados biologicamente para acasalar e procriar.
O amor e a paixão, que levam ao casamento e à formação familiar, não são da ordem do “natural”. Embora tenham sim aspectos biológicos, envolvem cultura e experiências de vida.
Aliás, o casamento não é natural, é uma instituição, um “negócio” criado para atender a necessidades sociais que, em sua origem, nada tinham a ver com amor e desejo.
E por sermos assim, por sermos mais que naturais, somos abertos a todas as possibilidades de expressão, inclusive ao desejo, amor ou casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Mulheres que sorriam


Nesta data oficial de comemoração – Dia Internacional da Mulher – não pretendo discorrer sobre as conquistas, inúmeras e necessárias, que nós mulheres fizemos ao longo da história. Outros textos publicados na mídia farão isso por mim e com mais propriedade.
Claro que sou grata a todas que, de alguma forma, contribuíram para que hoje ocupássemos espaços que há poucos anos não nos eram de direito. Mas gostaria de aproveitar a data para lembrar que algumas mulheres simples e pouco instruídas podem ter importância crucial na formação, durante infância e juventude, daquelas que passam mais tarde a estar na linha de frente das lutas e vitórias em nossa sociedade. Assim foi com muitas de nós. Assim foi comigo.
Convivi, quando criança, com mulheres que sorriam. Lembro-me de uma foto de família: homens, mulheres e crianças. Eles carrancudos, sérios. Somente as mulheres sorrindo. Eram elas as responsáveis pelo cuidado, pelo afeto e pela alegria nos anos de minha infância. Minha avó, por exemplo, forte e acolhedora, era a representante maior da alegria. O sorriso sempre estampado no rosto. Vinham dela o entusiasmo e a vontade de viver que inspiravam a mim e a minhas irmãs, assim como eram dela as respostas que nos indicavam o caminho nos momentos de crise.
As mulheres de minha vida abriram mão de grande parte de seus sonhos para cuidarem de seus homens e filhos. Era assim que tinha que ser naquela época. Casar e ter filhos era o sonho da grande maioria das mulheres na década de 30, quando minha avó se casou aos 16 anos, e ainda era assim na década de 60, quando se casou minha mãe aos 19. O casamento, embora beneficiasse muito mais aos homens do que às mulheres, exigia delas um empenho maior do que deles. Incluía-se aí o abandono dos ideais pessoais e a dedicação total à maternidade, criação dos filhos e vida doméstica. Era a mulher – e ainda hoje é assim em muitos lares – que abria mão de boa parte de seu tempo para gerar, parir, amamentar, trocar fraldas, cuidar, contar histórias, brincar, alimentar, levar à escola, ajudar nos deveres de casa e administrar, mais tarde, as questões afetivas, o namoro, a instrução sexual etc etc... Este foi o papel de minha mãe, presença absoluta dentro de casa, enquanto meu pai provia o sustento do lar.
Mas não digo, com isso, que essas mulheres foram mártires. Assisti, na infância, também a cenas de dominação por parte da ala feminina, talvez o preço que cobravam pelo ato de doação. Meu pai, filho desta avozinha querida que tanto me encantava, mas que era extremamente controladora, depois de ter se casado com minha mãe e ter tido três filhas, que posteriomente lhe deram seis netas (um total de dez mulheres que, ele jura, sempre fizeram dele o que bem entendiam) tentou alertar meu marido sobre a enrascada em que estaria se metendo se juntasse seus trapinhos aos meus, mas não obteve êxito.
Embora fosse machista, conservador, educado para ser o chefe do lar e dar a última palavra, meu pai era minoria em casa e, no final das contas, segundo sua própria versão, sua vontade nunca prevaleceu. Foi assim que desistiu do casamento.
Com o tempo, cada uma de nós assumiu novos papéis como comandantes em seus respectivos lares, inclusive minha mãe, depois de se separar e arranjar novo companheiro.
Assim demos continuidade ao exercício de entrega e doação que aprendemos com as mulheres de nossas vidas. Eu, de minha parte, nunca me esqueci do sorriso: capacidade de sedução e encantamento que elas me ensinaram.

1 de março de 2011

PAIXÃO

"De deseo somos

La vida, sin nombre, sin memoria, estaba sola. Tenía manos, pero no tenía a quién tocar. Tenía boca, pero no tenía con quién hablar. La vida era una, y siendo una era ninguna.
Entonces el deseo disparó su arco. Y la flecha del deseo partió la vida al medio, y la vida fue dos.
Los dos se encontraron y se rieron. Les daba risa verse, y tocar-se también."
Eduardo Galeano

A paixão é o preço que pagamos por sermos desejantes.
Quase todas as pessoas no mundo ocidental desejam apaixonar-se, pois acreditam que somente o amor romântico pode trazer a felicidade. Esta idéia está presente na literatura, músicas, novelas, filmes, propagandas e outras tantas mensagens da mídia.
Apaixonar-se é mágico, nos enche de entusiasmo! É um sentimento agradável.
Mas é ilusão, miragem. Formulamos opiniões sobre outra pessoa que não se baseiam na realidade e sim na necessidade emocional de completude.
Isso acontece porque todos nós precisamos reencontrar aquele estado perfeito de simbiose e satisfação absoluta que experimentamos enquanto bebês, antes do nascimento e logo depois dele durante os cuidados maternos. Mais tarde, a vida em sociedade trata de nos impor seus limites e restrições, os “nãos” constantes, os condicionamentos. E, como uma defesa, ocorrem as idealizações, fantasias e projeções que nos remetem àquele estado original de prazer permanente.
A projeção é um recurso inconsciente que nos permite viver, através do outro, nossas próprias potencialidades. Enaltecemos no outro características que gostaríamos de ter ou que de fato temos guardadas e não sabemos. Em suma, o outro é um espelho onde nos vemos refletidos.
John Money, sexólogo, afirma que todos desenvolvemos um “mapa amoroso”, entre os 5 ou 6 anos de idade, ou até antes, baseados nas relações familiares e experiências sociais. Na adolescência, os mapas tornam-se mais precisos quanto a tipo físico, caráter etc, formando um quadro mental do parceiro idealizado. Ocorre que muitas dessas características são determinadas por aspectos inconscientes de nosso psiquismo e por isso não entendemos quando nos sentimos tão atraídos por “essa pessoa” e não por “aquela”. Ou seja, somos encantados por algum aspecto do outro que satisfaz uma exigência de nosso inconsciente. 
Segundo Helen Fisher, antropóloga e especialista em paixão, as pessoas são mais suscetíveis a se apaixonarem quando estão mais vulneráveis. Crises no casamento, perdas, traições, auto-estima rebaixada são situações de fragilidade emocional propícias ao aparecimento de uma nova paixão. Ela considera que a paixão é como um vício. Altera a química do cérebro, como ocorre no uso de opiáceos ou estimulantes. Estudos científicos apontam que as tomografias do cérebro do indivíduo apaixonado são muito parecidas com as tomografias do viciado em cocaína.
Avassalador o desejo. Mudanças de humor. Melancolia. Euforia. O tempo custa a passar. Os dias são intermináveis, os instantes incontáveis, tal a ansiedade que nos devora por dentro. Calafrios, pupilas dilatadas, boca sem palavras, o cheiro do outro que embriaga, o coração disparado. Distração. Pensamentos que correm em círculos. Obsessão. Sacrificamos tudo e corremos todos os riscos em nome desse sentimento.
Essa excitação temporária, que pode durar apenas uma semana, ou até chegar a três ou quatro anos, fica por conta de um estado sublime, a sensação de finalmente termos encontrado naquela pessoa uma parte de nós que estava faltando e que agora nos é devolvida e nos faz inteiros.
Por isso, quando acaba (e sempre acaba) ficamos vazios. A paixão pode se transformar gradativamente em um amor mais maduro e estável ou pode ficar em seu lugar somente amizade, mas o fato é que quando acaba fica uma sensação de que fomos ludibriados. Perdemos o chão. De repente, não mais nos reconhecemos.
Acordamos, enfim, do sonho de completude que tínhamos projetado em alguém, à medida que a convivência e a intimidade tratam de nos mostrar a realidade. O amor verdadeiro, acreditem, não tem nada de cego!

28 de fevereiro de 2011

Inocentados assassinos do índio Marcos Verón

Após cinco dias de julgamento e várias manifestações de líderes indígenas e militantes em frente ao tribunal, os acusados de matar o cacique kaiowá Marcos Verón são absolvidos por júri popular. O julgamento que encerrou-se na última sexta feira, 26 de fevereiro, em São Paulo, chama a atenção de várias organizações de defesa dos direitos humanos.
Verón foi morto aos 72 anos, em 2003, em Juti, Mato Grosso do Sul, após Estevão Romero, Carlos Roberto dos Santos e Jorge Cristaldo Insabralde espancarem e atirarem em índios que haviam invadido fazenda, na luta para reaver seus territórios. Verón foi levado ao hospital com traumatismo craniano, mas não resistiu.
O julgamento, que começou no MS, mas foi transferido a SP porque a promotoria considerou que não havia como garantir um processo imparcial na primeira corte, chegou a ser suspenso várias vezes por apelações dos réus, que tentaram adiar ao máximo a audiência final.
A decisão acolheu parcialmente as alegações do Ministério Público Federal, mas não reconheceu o crime de homicídio praticado contra Verón e a tentativa de homicídio contra mais seis líderes que estavam com ele e que neste julgamento foram ouvidos pelo júri.
Por que os acusados não foram condenados? Por que não podemos acreditar na Justiça? É difícil compreender ou aceitar este resultado. Mas como já acompanhamos outros casos e sabemos que no Brasil assassinos de índios não são condenados, resta apenas a indignação e a tristeza. Não somente por este caso, mas porque este abre mais um precedente para tantos outros assassinatos de lideranças indígenas que ocorrem no Mato Grosso do Sul e em outros Estados e que poderão ficar impunes.
Livres da acusação de homicídio, os acusados foram condenados apenas por seqüestro, formação de quadrilha armada e tortura. A pena estipulada pela juíza da 1ª Vara Criminal Federal de São Paulo, Paula Mantovani, é de 12 anos e três meses de prisão. Mas poderão cumprir em liberdade pelo fato de já terem permanecido presos durante quatro anos e seis meses, enquanto aguardavam o julgamento. Neste caso, o tempo de prisão é descontado na sentença.
O promotor Luiz Carlos Gonçalves disse que a vitória não é completa, mas o resultado final foi pelo menos um avanço na luta pelos direitos dos índios. Segundo ele, o próximo passo é lutar pela condenação do fazendeiro Jacinto Honório da Silva Filho, dono da fazenda em que ocorreram os crimes e acusado de ter encomendado o assassinato de Verón.
Difícil acreditar que essa condenação possa de fato acontecer.

25 de fevereiro de 2011

O amor é uma coisa, a vida é outra

Peço licença a Miguel Esteves Cardoso, autor deste texto lindíssimo. E agradeço a Clarah Averbuck, por postá-lo em seu blog. Mais uma vez ela me socorre, sem nem mesmo saber disso. Primeiro com Bolas, depois na leitura de seus livros. Agora, com essas palavras... nada tenho a declarar, apenas reiterar esta afirmação tão sábia: o amor é uma coisa, a vida é outra. A vida, com suas repetições, desilusões e enganos... A vida com suas urgências, seus tempos, seus relógios... A vida com seus encontros, paixões e promessas... Ah! O amor é outra coisa.

Elogio ao Amor
Miguel Esteves Cardoso
 
Quero fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática.
Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.
Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em “diálogo”. O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam “praticamente” apaixonadas.
Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do “tá tudo bem, tudo bem”, tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, atristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo? O amor é uma coisa, a vida é outra.
O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso “dá lá um jeitinho sentimental”.
Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não épara nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes.
Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A “vidinha” é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não dá paraperceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida.
A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha – é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz.
Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também.

Nise Palhares: voz inconfundível nas noites cariocas

Vi outro dia, no YouTube, a cantora carioca Nise Palhares interpretando música do Nirvana, Smells Like Teen Spirit. Coisa linda! Voz quente e forte. Gestual e expressividade singulares. Era Nise cantando e não outra. Interpretação absolutamente original.

Embora dividisse o palco naquele momento com outra cantora – creio que não era um show seu, apenas fazia uma participação pra lá de especial –, sua presença preencheu todos os cantos daquele bar. Com Nise é assim, não tem pra ninguém.
Está na mídia eletrônica, projetou-se no Reality Show Ídolos, da TV Record, em 2010, já é bastante conhecida do público que freqüenta as casas noturnas cariocas e tem se apresentado também fora do Rio, em shows em São Paulo e em outras cidades pelo país afora. Apesar disso, Nise Palhares não tem CD gravado ainda. Mas é apenas questão de tempo. Como afirmou o jurado Luiz Calainho, durante apresentações do Ídolos, “estamos testemunhando o nascimento de uma artista absolutamente impressionante”. Impossível ficar imune a tal fenômeno. Impossível produtores e gravadoras não perceberem em Nise a promessa certa de sucesso.
Em suas apresentações, ela leva o público ao delírio. Não há como não ser hipnotizado por seu jeito vigoroso e, ao mesmo tempo, doce de cantar. Tem canções de autoria própria e interpreta desde os sucessos românticos da MPB (como comprovam os vários vídeos postados pelos fãs no YouTube) até os clássicos do Rock’n Roll. Com seus dez anos de estrada, percorrendo os tortuosos caminhos da arte e vencendo os obstáculos comuns aos que vivem de música, Nise tornou-se boa demais no que faz e já pode dispensar os rótulos e as comparações.
Embora seu timbre seja grave, não imita Betânia, não canta como Ana Carolina, não se parece com Cássia Eller. Nise é somente Nise. Autêntica e irreverente no palco, tem precisão rítmica, bom gosto nas escolhas do repertório e talento ao imprimir seu estilo nas interpretações. Ouvir sua voz inconfundível (negróide como das cantoras Sarah Vaughan e Nina Simone, e rouca como de Janis Joplin) é como estar próximo a um vulcão que, a qualquer momento, pode entrar em erupção. Força, densidade e paixão transbordam dessa mulher que preserva, no entanto, um jeito moleca de rir e falar, a docilidade de uma garotinha. Além do bom humor e do carisma que cativam o público.  
É isso, caros leitores, estamos assistindo ao nascimento de uma estrela. Digo isso sem exageros. Nise Palhares é desses poucos artistas que ultrapassam os limites, transcendem. Ela veio pra ficar.


24 de fevereiro de 2011

Assassinos do cacique Marcos Veron são julgados


O reinício do julgamento dos assassinos do cacique guarani Marcos Veron, na última segunda feira, 21 de fevereiro, em São Paulo, teve grande repercussão na mídia, inclusive no Jornal Nacional, na Rede Globo, o que muito nos surpreende.
Não é comum que assassinatos de índios, que ocorrem frequentemente em várias partes do país, sejam destacados pela imprensa.
Aliás, não é comum que matadores de índios sejam julgados. Exemplo disso é a impunidade dos assassinos de Marçal de Souza, líder guarani morto há 28 anos. O mandante do crime tem nome e endereço certos, há provas suficientes contra ele, no entanto ele está livre até hoje.
Cerca de 40 indígenas Guarani Kaiowa vieram de Dourados, Mato Grosso do Sul, para acompanhar o julgamento que foi deslocado para São Paulo porque acredita-se que somente assim será garantida a isenção necessária, já que no MS, onde o crime ocorreu, aqueles que detêm o poder econômico e político poderiam tentar influenciar a justiça.
Este julgamento, que esperamos terminar na condenação dos assassinos que negam o crime, evidencia a história de sangue e sofrimento que marca a vida dos índios Guarani Kaiowá desde sempre. A razão é conhecida de todos nós: a luta pela terra.
Três filhas do cacique morto, netos e outros parentes e amigos estão presentes. Egon Heck, presidente do Cimi Regional MS, que está acompanhando o julgamento, escreveu em artigo que “eles vêm da terra em que se exalta um tipo de progresso e desenvolvimento através do agronegócio, concentrador e excludente, da monocultura e dos transgênicos, do agrotóxico, de profundo impacto na natureza e poluição das águas e da terra. Eles vêm do território Guarani, dos índios sem terra, dos acampamentos e confinamentos deste povo. Eles vêm do sofrimento, da fome, da injustiça e da impunidade. Vêm apenas pedir justiça e, do alto de sua heróica resistência e dignidade, pedir punição”.
Este é um acontecimento histórico. Que resulte em justiça e paz para os Guarani Kaiowá!

23 de fevereiro de 2011

Mar, a grande mãe

Amo o mar. Minha avó, com quem compartilhei momentos mágicos na infância, nos finais de semana na praia, no litoral sul de SP, ensinou-me a reverenciar o mar como uma entidade suprema.
Nas tardes alaranjadas banhadas pelas ondas e encantadas pelos sons das gaivotas, aprendi a pedir licença antes de molhar meus pés na água cristalina e a deixar que a energia do mar, sua força e seus movimentos embalassem todo meu ser.
No mar meus pensamentos se organizavam, minha alma era tranqüilizada e meu corpo ganhava ânimo para prosseguir meu caminho. Minha avó conversava com ele. Ainda hoje, quando preciso de respostas, é ao mar que pergunto e ele sempre me responde.
Nesta busca, encontro Deus, esta Realidade, este Sentido capaz de me envolver e completar. Como ser incompleto e inacabado, a procura de acabamento e completude, encontro no mar esse todo do qual sou parte.
Por isso, embora o mar seja convencionalmente substantivo do gênero masculino, sinto que há em sua essência toda a feminilidade expressiva da origem da vida. 
Ns oceanos, com as condições ecológicas favoráveis à formação dos primeiros seres vivos, aconteceram e ainda acontecem 90% da história da vida.
No livro Feminino e Masculino, uma nova consciência para o encontro das diferenças, que Leonardo Boff escreve em parceria com Rose Marie Muraro (Ed. Sextante, 2002), ele salienta que o antepassado comum de todos os seres vivos foi, provavelmente, uma bactéria desenvolvida nos mares, procarionte, organismo unicelular sem núcleo e com organização interna rudimentar. Colônias dessas bactérias estiveram sozinhas por quase dois bilhões de anos nos mares. Ainda não existiam órgãos sexuais específicos e sim uma existência feminina generalizada que no grande útero dos oceanos, lagos e rios produzia vidas. Somente em função da reprodução em terra, de seres complexos, surgiu o pênis, há duzentos milhões de anos, na época dos répteis.
Com o evoluir das espécies que deixaram os oceanos e ganharam terra firme, lentamente, as condições presentes nos mares, com todos os seus nutrientes, no caso humano, passaram ao corpo da mulher. A menstruação recorda ainda o ritmo lunar, um dos fatores que provocam as marés.
O livro Nascido no mar, de Chris Griscon (Ed. Siciliano, 1993), conta a experiência de um parto ocorrido no mar do Caribe. Lembro que, ao comentar sobre esse livro com Ângela, obstetriz que acompanhou meus partos, ela ressaltou a semelhança entre a composição química das águas do mar e do líquido amniótico do ventre da mãe. Seria o mar uma entidade maternal? Então era isso que minha avó tentava me mostrar, que o mar é feminino?
O mar é a grande mãe: o primado do feminino na geração e expansão da vida ancestral.

21 de fevereiro de 2011

Lideranças Guarani Kaiowá pedem Justiça, Terra e Vida

No ano passado uma delegação de lideranças Guarani Kaiowá, do Mato Grosso do Sul, esteve em São Paulo pedindo apoio aos movimentos sociais no caso do assassinato do cacique Marcos Verón e na questão da luta pela demarcação de suas terras, situação que vem gerando violência, explusão de famílias de suas moradias e despejos. Foi em confronto como esses que morreu o líder Marcos Veron. Conheço e estimo sua família, suas filhas, víuva, netos, que neste momento estão vindo a São Paulo para acompanhar de perto o julgamento dos assassinos, que será retomado hoje, 21 de fevereiro. A eles, meu mais profundo desejo de que a justiça seja feita. 

Segue abaixo a Carta das Lideranças Indígenas aos Movimentos Sociais de São Paulo:

 

Viemos do Mato Grosso do Sul a São Paulo, em maio de 2010, na luta por nossos direitos, buscando apoios e aliados, esclarecendo a dramática situação por que passam os mais de 40 mil Kaiowá Guarani, espremidos em menos de 40 mil hectares de terra e jogados às beiras das estradas em 22 acampamentos indígenas. Estamos cada vez mais sendo engolidos pela cana, soja e gado. O nosso direito que foi conquistado na Constituição de 1988, não está sendo cumprido.

Várias usinas de etanol estão em construção, sendo previsto um total de 60 novas usinas, a serem construídas nos próximos anos, em cima de nossos territórios. Tudo isso põem em perigo a nossa sobrevivência como povo Guarani, caso não sejam tomadas as providências imediatas de reconhecimento de nossos territórios.
A situação de violência a que estamos submetidos e que acontecem em nossas aldeias é considerada superior ao que acontece nas grandes cidades como Rio de Janeiro e São Paulo e mesmo nas áreas de guerra, como Iraque e outroslugares de conflitos abertos, pelo mundo afora.
Sabemos que essa situação só vai melhorar com a nossa efetiva luta e apoio dos aliados e amigos no Brasil e pelo mundo afora. É por isso que estamos aqui em São Paulo nesses dias.
Viemos reivindicar e exigir das autoridades responsáveis:
1. A urgente conclusão da identificação e demarcação de todas as terras Guarani Kaiowá, do Mato Grosso do Sul;
2. Que dentro dos próximos 80 dias, a FUNAI tome providências necessárias para o reconhecimento e permanência da comunidade Kurusu Ambá em suas terras, ressaltando que o grupo de trabalho de identificação da FUNAI está paralisado;
3. Que ocorra a punição dos responsáveis pelos assassinatos de todos os Guarani Kaiowá, nos últimos anos, na luta por seus direitos;
4. Queremos o julgamento imediato, dos acusados do assassinato da liderança Guarani Marcos Verón;
5. Queremos o empenho da Polícia Federal para a localização do corpo do professor Olindo Vera, desaparecido há mais de 6 meses e a punição dos assassinos do professor Genivaldo Vera;
6. O julgamento imediato da Terra Indígena Nhanderu Marangatu, pelo Supremo Tribunal Federal;
7. Urgente solução para a dramática situação em que se encontra a comunidade Laranjeira Nhanderu, despejada na beira da BR-163, em setembro de 2009, encontrando-se em situação de estrema insalubridade, violência e miséria.
“Somos os verdadeiros donos desta terra.
Acabou a nossa paciência, o que nos
resta é a nossa união e mobilização
na luta pelos nossos direitos e apoio de todos.”

Lideranças das comunidades Kaiowá Guarani, do Mato Grosso do Sul: Kurusu Ambá, Ypo´í, Laranjeira Nhanderu, Taquara, Nhanderu Marangatu
São Paulo, 7 de maio de 2010.