31 de março de 2009

Desaniversário


A menina que corria atrás do coelho se cansou. O coelho disparou na frente. Bicho rápido! E ainda carrega esse relógio que não funciona! Aposto que está quebrado há séculos. Estamos na era digital e ele me vem com essa relíquia movida à corda!
É tarde.
Desisto agora porque já não me lembro o que vim procurar. Onde é que eu estava mesmo? Milhares de informações detonando meus neurônios à velocidade da luz... e eu aqui parada... Deve ser porque sou TDA (tradução osniana: “toda amalucada”). Esses tempos modernos voando e eu aqui, distraída, catando os gestos deixados na estrada, recolhendo os sorrisos perdidos, colecionando os cheiros que achei no chão. Quem foi que inventou a objetividade?
Não, não corro mais. E também, a partir de hoje, não procuro mais a saída. Vou me sentar debaixo dessa árvore enorme. Na sombra, vou curtir o paraíso e tomar chá com o chapeleiro maluco pra comemorar meu desaniversário.
Sem pressa! Caminho novo, paisagens diferentes, outras direções, mas a mesma viagem. Tudo novo de novo. Porque o novo, você sabe que é mesmo novo se tem esse gosto estranho, essa incerteza, essa audácia de virar a próxima esquina e não encontrar nada, esse frio na barriga quando a gente saca que está perdido e que está começando a gostar disso.
Já sentiu isso, menino? Esse prazer de correr o risco? Essa coragem de ir em frente e confiar no acaso? Já sentiu a satisfação de não precisar mais contar o tempo, simplesmente porque o tempo é atemporal?
Minha sogra, que me entende porque é uma menina, ligou cedo, adiantando pra hoje os parabéns de amanhã. Uma amiga me deu os pêsames. Disse que a cada ano estamos mais próximos da morte. Inevitável essa passagem. Melhor mesmo festejar antecipado tudo o que for possível, antes que seja tarde, antes do último dia, antes do fim, antes do recomeço. O que virá depois?

26 de março de 2009

Fragmentos de um discurso amoroso IV - Ausência


Todos os dias você partiu.
Pensei que havia me acostumado a essa falta.
Achei que a ausência já não me doía.
Achei que a vida era assim mesmo: esse vazio, essa saudade.
Acostumei-me à despedida,
ao silêncio que restava na sala,
ao escuro que assombrava os corredores,
aos cabides vazios no guarda-roupa,
à louça suja em cima da pia,
à toalha molhada no banheiro,
ao frio rasgado nos cobertores,
e ao teu cheiro no travesseiro
que me atormenta na madrugada.

Por que não levou contigo
este cheiro?
Por que não carregou na mala
meu coração cheio de música?
Por que não levou meus olhos
pra seguirem teus passos e trazerem de volta
teu riso perdido naquela tarde?
Por que não olhou pra trás
quando acenei e congelei meu rosto
no retrovisor da tua história?

20 de março de 2009

Fragmentos de um discurso amoroso III- Todas as linhas


Eu sei, a distância apaga tudo
O cheiro da pele
O gosto do beijo
Cada segundo congelado
E as letras do meu nome
no seu corpo desenhado

Mas é mentira se eu disser
que não te quero, que não te vejo
Nas ruas vazias, casas, muros e
esquinas
Nos versos que eu escrevo
no outro lado das linhas

Escorrem palavras
Que eu pinto com os dedos
Sem rumo, sem tempo, sem chão,
nas horas a mais
Com chuva e saliva,
traço o futuro na palma da sua mão

E guardo o desejo
naquela gaveta
Onde deixo meus olhos
E a vida está pronta
E os nós me embaraçam
E te amo maluca

Te mando sinal, ponho anúncio no jornal,
pra você que me enrola e encanta:
Escreve todas as linhas
e coloca o ponto que não é final

10 de março de 2009

Peixe fora d'água

Andei longe, por aí, porque cansei de dizer. Silêncio é bom. Mas daqui pra frente EU falo de mim no MEU blog e quem não sacou sacasse. Posso? Cansei de gritar pra ninguém. Cansei de me desculpar por não me comportar como disseram que eu devia.
Não gosto de estar aqui (não aqui nesta página, mas aqui neste mundo de destrambelhados), não gosto de ter nascido errada, de ser precipitada, de não saber calar “palavras que não são pra se dizer”, de explodir, de estragar a festa. Detesto ter seguido os caminhos mais longos e ter sempre corrido atrás do coelho no paraíso. Onde está aquele relógio afinal? Quem está marcando o tempo? Quando vou chegar? Como volto pra buscar o que deixei pra trás? O que foi que perdi? Detesto essa falta que não vai se resolver nunca. Meu humor nem sempre é dos melhores e tenho motivos pra isso. E se não aguentam, pouco importa.

Mas gosto das perguntas, mais do que respostas. Gosto do gosto do risco. Gosto da utopia. De abrir a janela e ver o horizonte que não serve pra nada a não ser me fazer correr atrás do inatingível. Amo o desejo, mesmo não saciado. Amo as lembranças do que não viverei mais. Amo o acúmulo dos anos que somados preenchem de sentido essa minha passagem por aqui. Gosto de me olhar bem de perto no espelho, e fechar os olhos e me ver por dentro, e me achar meio anormal. Gosto de levar esse peixe pra passear, fora do aquário, fora d'água, mas ainda sobrevivendo enquanto me olham torto. Gosto e ponto. Não preciso provar mais nada. Dá licença.

Porque escrevo

Por que escrevo? Você me pergunta por que escrevo? Ora, você sabe. É porque as palavras não cabem na minha boca. Ou não cabem na minha cabeça. Ou no coração. Porque se eu calar, fico triste. Se eu calar, você fica triste.
Uma amiga diz que as histórias de amor, quando acabam, viram música, ou livro, ou filme. Eu, como não toco instrumento, como não tenho bela voz e nem talento para a arte cinematográfica, só posso escrever.
Mas deleto muito do que escrevo. Nem tudo se aproveita.
Às vezes me canso de dizer e gostaria de silenciar, deixando  que as palavras se perdessem de mim e me deixassem leve novamente.
Azar o seu, que me lê e se deixa assim iludir. Azar o seu que acredita que, fazendo suas as minhas palavras, estará menos solitário. Engano. Você continua só. Não te dou minha voz, nem o que sinto. Palavra minha não serve pra ninguém.

1 de março de 2009

Meus heróis


O mal do século é a solidão. “Cada um de nós imerso em sua própria arrogância, esperando por um pouco de afeição”, já dizia Renato Russo.
Acho que de solidão ele entendia. Morreu sozinho em seu apartamento, sem despedidas, sem velório, sem enterro. Foi cremado. Não queria uma multidão chorando em cima do caixão. Com ele morreu também a Legião, porque continuar na estrada simplesmente não faria sentido.
Sinto falta da época em que suas canções embalavam meus sonhos. Não só os meus, mas os de toda a geração Coca-Cola de 80. Renato era referência de atitude, porta-voz das nossas angústias, poeta que encontrava as palavras pra dizer por nós, os filhos da revolução, burgueses sem religião. Éramos tão perdidos! Ecoava ainda em nossos ouvidos os ruídos da ditadura, mas não tínhamos aprendido o que fazer com a liberdade. E o futuro parecia tão incerto! Ao som da Legião, fumei o primeiro cigarro, transei a primeira vez, tomei o primeiro porre, curti a primeira ressaca de paixão não correspondida.
Na mesma época amava Cazuza, exageradamente transgressor. Eu morria de inveja porque me faltava coragem pra assumir essa falta de normalidade que hoje eu já não consigo disfarçar.
Ou não. Acho até que sou bem normal. A pessoa mais normal desse planeta. Louco é quem me diz. Louco era Raul, com muito orgulho.
Depois me apaixonei por Cássia. Tive orgasmos múltiplos quando a ouvi pela primeira vez cantando música de Renato Russo. Então a fiz minha musa, a mulher dos meus sonhos. Nos meus 20 anos, o que eu mais queria era ser a Cássia Eller. Ir até o talo. Ver no que vai dar.
É isso, meus heróis morreram de overdose, ou de exageros, ou de solidão.