28 de junho de 2008

Insustentável leveza



Procuro a menina que fui. No meio dessa bagunça dentro de mim, vasculho este quarto escuro e misterioso que mantém sempre a porta fechada para as visitas. Visita se recebe na sala, no local arrumado e organizado pra mostrar só o que queremos mostrar. No quarto escuro da alma ninguém entra.

Ficam guardadas lá (aqui) as lembranças tristes, os sonhos que nunca poderiam ser realidade, as expectativas desiludidas. Coisas que se quebraram e que mesmo não tendo concerto ficam amontoadas em cacos, porque esses pedaços também têm uma história, cada um o seu sentido.
E na bagunça que ninguém vê, coleciono também pequenas alegrias: afetos e bons momentos dos quais não quero me desfazer, porque é a eles que recorro, vez em quando, pra saber quem sou.
Ah! E tem também velhas canções (que nada!! músicas não envelhecem!!) que danço ainda e que me fazem leves. Milan Kundera escreveu sobre a “insustentável leveza do ser”. Acho que todos nos sentimos assim, insustentáveis às vezes, sem chão, numa queda lenta e contínua que nos dá medo e, ao mesmo tempo, uma vertigem boa... É quando nos faltam as certezas e ficamos tão vazios que quase não nos aguentamos em pé. Mas tudo bem... se abandonar em uma queda de vez em quando. Principalmente se tiver uma mão amiga pra nos amparar.

27 de junho de 2008

O tempo, não o do relógio


Minha filha, quando tinha oito anos, chegou da escola contando sobre a aula de Ciências: "Mãe, estou estudando o tempo. Mas não é o tempo do relógio. É o tempo da vida".
Tempo que não se mede em números, horas ou minutos. Não cabe no passado, nem na imprevisibilidade do futuro. É tempo que soma experiências, que tira e acrescenta, divide e junta pedaços de história, marcando corpo e alma nas coisas que criamos e até no vazio deixado pelo que não fizemos.
Para a razão humana, o passado, o presente e o futuro estariam separados. Mas o coração avista o horizonte existencial, compreendendo estes três sentidos que se influenciam mutuamente. O passado não é imutável, podendo ser ressignificado no presente. E o futuro, embora ainda não exista, já transforma o hoje com projetos e esperanças. Assim, a vivência individual, no sentido de sua trajetória, modifica a significação do tempo. Como água de rio que não pára, antes corre infinitamente - para onde? - assim é o tempo da vida, impreciso e grandioso, que não cabe no relógio.
Sendo uma criação humana para superar a impermanência e negar a morte, o tempo é a explicação que damos ao mundo, na busca de identidade e liberdade.
Naquela tarde, senti alegria ao ser iluminada pela reflexão inocente de minha menina, quando eu mesma estava às voltas com as dificuldades de organizar meu tempo - o do relógio – e sua tranqüilidade de criança me ensinava a deixar que o coração me dissesse para onde ir.
Lembrei-me do dia em que nasceu: foi quando o tempo parou. Senti saudades de seu cheiro de bebê, de quando a amamentava, do colo que lhe dei e do que não pude lhe dar. Senti vontade de estarmos mais juntas, de nos abraçarmos muito, de dormirmos agarradas, como se assim eu pudesse reter a beleza de cada instante.

24 de junho de 2008

Bolas

Empresto as palavras de Clarah Averbuck pra expressar o que valorizo em um homem. Como seria melhor nosso planeta se todos os homens tivessem culhão!!

”Culhão. Homem tem que ter culhão. Não aquela macheza de lutador de vale-tudo, nada disso. Isso aí de força física, qualquer mané tem, aliás, força física é coisa de mané. Eu estou falando de culhão, bolas. Culhão de gostar de mulher forte e não fugir, dizendo que prefere uma mulherzinha. De assumir um compromisso e não ficar se refugiando nos braços de umas putinhas de carne firme e bunda empinada quando a coisa apertar, só para se sentir macho. Culhão de botar filho no mundo e cuidar, e agüentar a mulher histérica na gravidez, e agüentar ver o parto sem desmaiar. E ainda ter tesão depois. Culhão de admitir quando está errado. De bater o pé quando está certo. De encarar a vida e não se acomodar pra deixar o sangue esfriar. De chorar quando sentir vontade, porque chorar é coisa pra macho. De se emocionar com algo mais que futebol. De mandar tudo às favas às vezes e se mandar pra se encontrar. Culhão de ir embora quando as coisas são irreparáveis em vez de sentar a bunda no sofá e esperar uma intervenção divina. De tentar consertar tudo quando vale a pena. Culhão de viver as coisas mesmo sabendo que pode se dar mal no fim. Mesmo tendo certeza de que vai se dar mal no fim. A vida não tem anestesia e anda de mãos dadas com a dor. De não rir de piadas sem graça pra agradar. De assumir o que gosta e o que não gosta mesmo que vire motivo de chacota. De ser absolutamente devotado a algo, música ou mulher, sem ter pudores ou se importar com o resto do mundo. Culhão de ir atrás dos sonhos por mais bestas e utópicos que pareçam. E conseguir realizá-los e calar a boca de todo mundo. De se vestir como bem entender. De tomar uns porres e dar uns vexames e fazer de novo depois. De pedir colinho quando precisar em vez de ficar se fazendo de fortão. De resistir às tentações da carne, porque a carne é fraca, mas a cabeça não pode ser. De se jogar quando o abismo chama. Culhão de trocar o certo pelo duvidoso sem pestanejar quando tem que ser feito, porque tem que ser feito. De não fingir. De falar em vez de ficar se esquivando. De não sumir e encarar as coisas quando devem ser encaradas. Acho que é isso. Culhão. Você tem culhão? Espero que você tenha. Ou que o seu homem tenha. Ou aprenda a ter. Se bem que isso não se aprende, é inerente. Ou você tem, ou você não tem. Espero que você tenha.”

20 de junho de 2008

Que mídia queremos?


Em artigo de 2002, Eugênio Bucci, grande jornalista brasileiro, falava sobre “as tristes cópias do medíocre”. Hoje em dia “não é mais na escola que a criança aprende a separar o certo do errado, a virtude do vício. É na mídia que ela aprende isso.”
Enquanto, no passado, nossos exemplos vinham da escola e da família, hoje as referências de crianças e jovens são os protagonistas da novela, os “amigos” virtuais e os “interessantes” participantes BBB. Seus modelos são heróis de desenhos animados toscos, ídolos fabricados pela indústria cultural ou apresentadores medíocres de programas de auditório.
A TV embala nossos sonhos no mundo de faz-de-conta das propagandas. E os noticiários confrontam nossos valores com promessas não cumpridas na política, injustiças impunes e “vantagens” da corrupção.
Mas o que está de fato em nossas mãos? Quais são nossos direitos e deveres em tempos de democratização da informação? Devemos engolir passivamente toda e qualquer mensagem veiculada pela mídia?
É nosso direito exigir que a ética seja colocada acima dos interesses do mercado. A verdade dos fatos e a transparência da notícia não podem estar abaixo dos lucros comerciais. Assim como o sensacionalismo e a vulgaridade não podem substituir programação inteligente e cultural.
A imprensa deve informar a sociedade servindo aos seus interesses, a Internet deve propiciar a democratização do conhecimento, assim como a programação oferecida pelas emissoras de rádio e TV devem ter, além de entretenimento, também valor educativo.
Diversão, cultura e informação, este é um direito de todo consumidor da mídia. Mas somente conquistamos tal direito, se exercemos nosso poder de fiscalizar o modo como os meios de comunicação cumprem seu papel.
Vale lembrar, neste caso, o pensamento do sábio filósofo, Nietzsche, para quem “a liberdade é nosso poder para avaliar os valores”.