9 de agosto de 2008

Demarcando a esperança

Os questionamentos publicados pelos jornais nos últimos dias sobre o direito indígena de reaver terras que hoje estão nas mãos de produtores rurais dão sinais de que o assunto é polêmico e merece ser visto sob todos os ângulos, a fim de que prevaleça a justiça e a ética.

Evidentemente, a questão é delicada. É natural que gere discussões, algumas bem fundamentadas, outras fundadas em oportunismos, ignorâncias e preconceitos. Muita gente a emitir opinião e “puxar sardinha” para o seu lado, mas poucos a observarem de fato a complexidade do caso e os direitos legais de cada uma das partes envolvidas.

De um lado, é inegável a importância das lavouras para nosso Estado. Além disso, os produtores rurais não grilaram essas terras, possuindo título de propriedade das mesmas.
De outro, também não se pode negar que os indígenas que foram expulsos de seus territórios para dar lugar aos colonos enviados pelo governo de Vargas na década de 1940, e que hoje estão confinados como bichos em reservas que lhes foram impostas como único recurso de sobrevivência, têm direito a reaver suas terras, simplesmente por serem seus donos originalmente.

Tais fatos, comprovados por dados históricos, transformam em profundo equívoco a frase recentemente emitida pelo governador André Puccineli: “Mato Grosso do sul não será terra de índio”. Ora, este Estado sempre foi terra de índios.
E o lugar que a eles foi destinado, às margens da sociedade branca, mendigando esmolas às suas portas e vivendo dos restos que lhes são jogados, não nos permite esquecer uma verdade tão evidente.

Cabe agora ao governo brasileiro e às autoridades políticas encontrar a melhor forma de solucionar este impasse. É isto que se espera de líderes políticos, sobretudo em tempos de novas eleições e das conhecidas promessas vazias. Espera-se por transformações sociais que promovam felicidade e oportunidades a todos os brasileiros, inclusive indígenas.
Evidentemente, possuir maior território não solucionará todos os problemas sociais que acometem essas populações, como fome, desnutrição infantil, alcoolismo e violência. No entanto é um bom começo, pois implica em reconhecer seus direitos e sua cidadania.
O processo de reconhecimento e demarcação de terras indígenas, já previsto pela Constituição de 1988, não tem objetivo de promover a discórdia ou derramamento de sangue.
Sua finalidade é promover a justiça e a esperança de milhares de crianças e jovens indígenas que poderão sonhar com vida melhor que a de seus pais e avós. Mas, junto com a terra, deverão, obviamente, ter condições de nela produzir, por meio de projetos que visem capacitá-los para isso, outro desafio que o Brasil deverá enfrentar.
No momento, a sociedade brasileira e, sobretudo a sul-mato-grossense, têm a oportunidade ímpar de repensar sua história e de contribuir para a promoção de maior igualdade social. Que a luta por territórios seja também um caminho para o diálogo cultural e a esperança!

1 de agosto de 2008

Demarcação de terras envolve ética e dignidade indígena



Há 20 anos os povos indígenas do Mato Grosso do Sul, assim como indígenas de outras regiões do país, aguardam o cumprimento do Art. 67 da Constituição Federal que previa, em 1988, a demarcação das terras indígenas no prazo de apenas cinco anos: “A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição”.
Hoje o clima é tenso em Dourados. Com a proximidade do início dos trabalhos da equipe técnica que desenvolverá pesquisa e laudos sobre áreas que poderão ser demarcadas, os produtores rurais prometem que "não vão deixar as coisas correrem solto" e traçam estratégias para barrar os estudos. Como assim, “não vão deixar”? Quer dizer que ameaçam impedir o cumprimento (e bem tardio!) de um mandamento constitucional?
O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), firmado entre FUNAI e Ministério Público Federal, em 12 de novembro de 2007, com o compromisso de finalmente identificar e demarcar novas áreas indígenas em Mato Grosso do Sul, é legítimo e extremamente necessário, a fim de garantir, de maneira efetiva, a observância da lei.
Como bem apontou o advogado indígena Wilson Matos Pereira, em artigo publicado em jornal da região em 29 de abril, o Termo de Ajustamento de Conduta tem sua previsão na Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, no Art. 5º § 6°, confirmando que: "Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial”.

Portanto, não há o que contestar, pois somente após a devida perícia, serão demarcadas as terras, caso seja comprovado que são mesmo terras originalmente indígenas.
Além disso, tal estudo deverá ser feito por profissionais competentes e devidamente preparados para isso: antropólogos, arqueólogos e historiadores que comporão a equipe e farão uma análise ética e livre de quaisquer interesses particulares.

Mas não deixemos de observar que o reconhecimento da verdade sobre as terras sulmatogrossenses traz uma importante questão moral: Não se trata apenas de luta por territórios. Dar ao índio o bem material que lhe é devido é o mesmo que devolver-lhe o lugar social que lhe foi tomado pelo branco desde os primeiros contatos, pelos europeus, até o projeto do governo de Getúlio Vargas, que disponibilizou territórios na região Centro-Oeste para ocupação de colonos e exploração econômica – história essa bem conhecida de todos nós.
Seria como devolver-lhe o respeito e a condição para lutar por muito mais que terras: pelo reconhecimento à sua identidade étnica, por sua cidadania e por sua dignidade como parte integrante da sociedade nacional.

Portanto, parece que a questão envolve aquilo que o grande antropólogo brasileiro Roberto Cardoso de Oliveira chamou de “etnoética”, a emergência de um discurso ético já presente em manifestações de lideranças indígenas e de organizações não governamentais que apóiam esta causa. Desde a década de 70, observamos nessas populações uma luta não apenas por ganhos materiais, mas pela respeitabilidade a seus valores e modo de ser, para que aos olhos de produtores rurais e demais setores da sociedade “branca” sejam vistos como indivíduos de direitos e não mais como “bugres” ou “desocupados”.
Que esse processo político, ético e moral chegue a bom termo!