18 de abril de 2011

OS "LOUCOS" QUE PRODUZIMOS

Começo citando Leonardo Boff, em texto postado em seu blog, sobre o massacre na escola de Realengo (RJ). Diz ele: “A vida cura a vida e o amor supera em nós o ódio que mata”.
Já nos acostumamos com o fato de que a vida urbana tem dessas coisas: violência, intolerância, gente enlouquecida, gente com medo, gente que mata. Diante dessa realidade, nosso teólogo mais sábio e querido nos abençoa com essas palavras... a vida cura a vida... Então a vida está enferma? Carece de cura? Interessante pensar que o remédio para nossos males está na mesma substância que os produziu. Como picada de cobra, que só pode ser tratada com soro feito a partir de seu próprio veneno. Se nossa sociedade adoeceu, é exatamente em seu interior – nas relações humanas que ela produz – que podemos encontrar as respostas e soluções para o cotidiano caótico que nos habituamos a viver.
A questão colocada por Boff é a seguinte: somos nós, sociedade bárbara e desequilibrada, quem produz os “loucos” que nos atormentam. Um rapaz que, aos vinte e poucos anos, resolve vingar as agressões que sofreu quando criança no ambiente escolar, matando alunos da mesma escola em que estudava, e depois dá um tiro na própria cabeça só podia estar “louco” – é o que todos nós concluímos. E nos perguntamos: como se produz esse tipo de loucura? Como evitar que pessoas inocentes paguem por isso? De quem é a responsabilidade de deter os comportamentos destrutivos de indivíduos psicologicamente perturbados?
Patologias que podem levar a tragédias como essa, embora tenham origem em fatores relacionados à história pessoal do indivíduo e nas relações familiares, não podem ser analisadas separadamente do contexto social, até mesmo porque atualmente a sociedade globalizada, os meios de comunicação de massa, as redes virtuais e, sobretudo, a escola passaram a exercer o papel de educadores que antes era restrito aos pais. O psiquismo humano é resultado da interação de vários fatores, entre eles os valores apregoados e difundidos no interior da sociedade em que vivemos – em sua cultura, em suas relações sociais, em seus meios de produção, nas suas produções intelectuais, nos seus jogos políticos e nas mensagens veiculadas por seus meios de comunicação de massa. Ou seja, o sistema político-social e econômico como um todo pode produzir pessoas mentalmente sadias, ou pode ser uma máquina de fazer neuroses e psicopatologias. Além disso, pode ainda tratar como normalidade o que comumente seria tratado como patologia na clínica psiquiátrica. Assim, vários comportamentos que podem ser considerados doentios tornaram-se genéricos ou “normais” nas sociedades contemporâneas, como o isolamento, a frieza, a incapacidade de viver relações afetivas, o medo, a desconfiança permanente, a ansiedade, a depressão, a atitude de “descartabilidade” nas relações humanas (no mundo dominado pelo consumo, troca-se de pessoas, como se trocam de objetos, roupas, etc). Nesse contexto, a sensação de opressão é marcante. É também presente a dor da injustiça e das desigualdades. Estigmas, preconceitos e o desrespeito às individualidades, somados à desagregação dos valores familiares, contribuem para o aumento de comportamentos intolerantes e vários tipos de violência, inclusive nas escolas, como o bullying.
Em meio a tudo isso, nem todos conseguem manter a sanidade mental e emocional. Basta voltar aos estudos de Freud e de outros psicanalistas para compreender que os instintos de morte e agressão fazem parte de nossa constituição psíquica. Temos todos dentro de nós o impulso para a vida e, simultaneamente, tendências agressivas e auto-destrutivas.
Porém, é Freud quem também indica que a civilidade, a educação, a arte, as relações afetivas, a ciência e toda forma de criação e produção humanas nos ajudam a controlar tais instintos e aflorar o princípio de vida: o que há de melhor e mais construtivo em cada um de nós. Felizmente, muitos de nós aprendemos, ao longo da formação de nossa consciência e personalidade, a frear nossas tendências destrutivas e a gerar vida.
Por isso, no momento em que reacendem discussões sobre o combate ao tipo de violência que ocorreu no Rio de Janeiro, somos obrigados a admitir que a questão é bem mais complexa. Restrição à venda de armas, mais segurança policial nas escolas, criação de esquemas de atendimento em saúde mental, treinamento de professores para lidarem com a agressividade em sala de aula, enfim, tudo isso não basta. É preciso reconhecer que ajudamos a inventar esse sistema que nos aprisiona e que somente mudanças em suas bases estruturais e nos modos como se dão suas relações humanas poderão nos indicar os caminhos para a paz.

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