25 de abril de 2011

TRAVESSIAS

Nos dias em que se comemora a Páscoa, contemplo o devir de novas possibilidades. Recebo a visita de meu pai e reflito sobre os exemplos que dele recebi sobre a persistência e a auto-confiança. Homem forte e corajoso, é capaz de se levantar após uma queda e recomeçar em situações em que outras pessoas desistiriam, pois costuma ver através dos obstáculos suas oportunidades de superação. Com ele aprendi sobre as utopias e seus significados. Entendi o que queria dizer Eduardo Galeano, poeta maravilhoso, quando define que a utopia serve para nos fazer seguir em frente, sobretudo quando ela nos parece cada vez mais distante. Quanto mais caminhamos, mais a utopia se afasta, fugindo de nosso alcance, então mais ainda a desejamos e a perseguimos.

Creio que o sentido mais genuíno da Páscoa é o de libertação. É a travessia entre aquilo que deixamos para trás e o que buscamos conquistar adiante. Como rito de passagem, celebra para os judeus a travessia do Mar Vermelho, mudando um estado de escravidão para a liberdade e o encontro da terra prometida. Para os cristãos, celebra a passagem da morte para a vida, representada na ressurreição de Cristo. Assim também nos traz o sentido de que podemos renascer continuamente, abandonando o que já não nos serve – antigos hábitos, comportamentos, mágoas e outros sentimentos – e fazendo-nos novos. Pois vida é metamorfose, dinâmica de transformações e amadurecimento.
A vida é feita de passagens, de renúncias e perdas que constituem em si mesmas novas possibilidades. Perdemos para ganhar. Do ventre materno ao nascimento, da infância à juventude, da juventude à vida adulta, da vida adulta à terceira idade e desta à morte que, segundo várias crenças, não é o fim, mas o começo de outro sentido de existência. Mudamos continuamente. Nos casamos, tornamo-nos mães e pais, tornamo-nos avós, nos formamos profissionalmente, nos divorciamos, enviuvamos, mudamos para outra cidade, retornamos, enfim as mudanças são parte estrutural da vida humana, atribuindo à sua dinâmica os riscos e recompensas, dores e alegrias, perdas e ganhos da história de cada um.
Pai, o sentido da Páscoa se realiza em nosso encontro, ainda que você não acredite em preceitos religiosos, que seja um cético. O fato é que você sempre acreditou na vida e na capacidade humana de criar. 
Ouvimos boa música, conversamos, como antigamente...
Com você eu sinto o céu aberto. Minhas forças se renovam e sinto passar aquela sensação de abandono que trago no peito. De repente, a vida me chama de novo.

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