23 de fevereiro de 2011

Mar, a grande mãe

Amo o mar. Minha avó, com quem compartilhei momentos mágicos na infância, nos finais de semana na praia, no litoral sul de SP, ensinou-me a reverenciar o mar como uma entidade suprema.
Nas tardes alaranjadas banhadas pelas ondas e encantadas pelos sons das gaivotas, aprendi a pedir licença antes de molhar meus pés na água cristalina e a deixar que a energia do mar, sua força e seus movimentos embalassem todo meu ser.
No mar meus pensamentos se organizavam, minha alma era tranqüilizada e meu corpo ganhava ânimo para prosseguir meu caminho. Minha avó conversava com ele. Ainda hoje, quando preciso de respostas, é ao mar que pergunto e ele sempre me responde.
Nesta busca, encontro Deus, esta Realidade, este Sentido capaz de me envolver e completar. Como ser incompleto e inacabado, a procura de acabamento e completude, encontro no mar esse todo do qual sou parte.
Por isso, embora o mar seja convencionalmente substantivo do gênero masculino, sinto que há em sua essência toda a feminilidade expressiva da origem da vida. 
Ns oceanos, com as condições ecológicas favoráveis à formação dos primeiros seres vivos, aconteceram e ainda acontecem 90% da história da vida.
No livro Feminino e Masculino, uma nova consciência para o encontro das diferenças, que Leonardo Boff escreve em parceria com Rose Marie Muraro (Ed. Sextante, 2002), ele salienta que o antepassado comum de todos os seres vivos foi, provavelmente, uma bactéria desenvolvida nos mares, procarionte, organismo unicelular sem núcleo e com organização interna rudimentar. Colônias dessas bactérias estiveram sozinhas por quase dois bilhões de anos nos mares. Ainda não existiam órgãos sexuais específicos e sim uma existência feminina generalizada que no grande útero dos oceanos, lagos e rios produzia vidas. Somente em função da reprodução em terra, de seres complexos, surgiu o pênis, há duzentos milhões de anos, na época dos répteis.
Com o evoluir das espécies que deixaram os oceanos e ganharam terra firme, lentamente, as condições presentes nos mares, com todos os seus nutrientes, no caso humano, passaram ao corpo da mulher. A menstruação recorda ainda o ritmo lunar, um dos fatores que provocam as marés.
O livro Nascido no mar, de Chris Griscon (Ed. Siciliano, 1993), conta a experiência de um parto ocorrido no mar do Caribe. Lembro que, ao comentar sobre esse livro com Ângela, obstetriz que acompanhou meus partos, ela ressaltou a semelhança entre a composição química das águas do mar e do líquido amniótico do ventre da mãe. Seria o mar uma entidade maternal? Então era isso que minha avó tentava me mostrar, que o mar é feminino?
O mar é a grande mãe: o primado do feminino na geração e expansão da vida ancestral.

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Sou também muito ligada ao mar e não pude deixar de me emocionar com esse texto.
    É difícil acreditar que ia sempre ver o mar e, de repente, a estrada me mandou pro centro da América Latina.
    Com os pés sujos de terra vermelha, sonhava com o dia em que estaria perto do mar de novo. E fui parar em Porto.
    Porto com aquelas águas geladas, mostrando o Atlântico Norte lindo, cheio de energia. Acordava todos os dias com as gaivotas cantando e aquele cheiro bom de água salgada... Coisa boa...
    E agora lá vou eu de novo. Pés prontos pra terra vermelha, chão quente. Vai entender essa vida.
    Já vou com saudade do mar... Mas volto em breve. E volto pro mesmo mar que conversava com a vó Elza.

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