1 de agosto de 2008

Demarcação de terras envolve ética e dignidade indígena



Há 20 anos os povos indígenas do Mato Grosso do Sul, assim como indígenas de outras regiões do país, aguardam o cumprimento do Art. 67 da Constituição Federal que previa, em 1988, a demarcação das terras indígenas no prazo de apenas cinco anos: “A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição”.
Hoje o clima é tenso em Dourados. Com a proximidade do início dos trabalhos da equipe técnica que desenvolverá pesquisa e laudos sobre áreas que poderão ser demarcadas, os produtores rurais prometem que "não vão deixar as coisas correrem solto" e traçam estratégias para barrar os estudos. Como assim, “não vão deixar”? Quer dizer que ameaçam impedir o cumprimento (e bem tardio!) de um mandamento constitucional?
O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), firmado entre FUNAI e Ministério Público Federal, em 12 de novembro de 2007, com o compromisso de finalmente identificar e demarcar novas áreas indígenas em Mato Grosso do Sul, é legítimo e extremamente necessário, a fim de garantir, de maneira efetiva, a observância da lei.
Como bem apontou o advogado indígena Wilson Matos Pereira, em artigo publicado em jornal da região em 29 de abril, o Termo de Ajustamento de Conduta tem sua previsão na Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, no Art. 5º § 6°, confirmando que: "Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial”.

Portanto, não há o que contestar, pois somente após a devida perícia, serão demarcadas as terras, caso seja comprovado que são mesmo terras originalmente indígenas.
Além disso, tal estudo deverá ser feito por profissionais competentes e devidamente preparados para isso: antropólogos, arqueólogos e historiadores que comporão a equipe e farão uma análise ética e livre de quaisquer interesses particulares.

Mas não deixemos de observar que o reconhecimento da verdade sobre as terras sulmatogrossenses traz uma importante questão moral: Não se trata apenas de luta por territórios. Dar ao índio o bem material que lhe é devido é o mesmo que devolver-lhe o lugar social que lhe foi tomado pelo branco desde os primeiros contatos, pelos europeus, até o projeto do governo de Getúlio Vargas, que disponibilizou territórios na região Centro-Oeste para ocupação de colonos e exploração econômica – história essa bem conhecida de todos nós.
Seria como devolver-lhe o respeito e a condição para lutar por muito mais que terras: pelo reconhecimento à sua identidade étnica, por sua cidadania e por sua dignidade como parte integrante da sociedade nacional.

Portanto, parece que a questão envolve aquilo que o grande antropólogo brasileiro Roberto Cardoso de Oliveira chamou de “etnoética”, a emergência de um discurso ético já presente em manifestações de lideranças indígenas e de organizações não governamentais que apóiam esta causa. Desde a década de 70, observamos nessas populações uma luta não apenas por ganhos materiais, mas pela respeitabilidade a seus valores e modo de ser, para que aos olhos de produtores rurais e demais setores da sociedade “branca” sejam vistos como indivíduos de direitos e não mais como “bugres” ou “desocupados”.
Que esse processo político, ético e moral chegue a bom termo!

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